Alameda da Universidade, Lisboa

77 anos da UNICEF: Um responsável pela infância no mundo

11-12-2023

O Fundo das Nações Unidas para a Infância é uma agência que representa o desejo coletivo de garantir ajuda a todas as crianças carenciadas espalhadas pelo globo. Hoje, esta instituição festeja os seus 77 anos tendo cumprido incansavelmente com o prometido até hoje. A sua resposta a emergências humanitárias não tem precedentes, destacando-se a sua importância na construção de um futuro mais justo para as gerações seguintes. Porém, permanece alvo de contestações devido a alguns escândalos ocorridos ao longo destes anos e de uma certa desconfiança inerente à sua condição de grande instituição.

Ora, se muitas das vezes acabamos por duvidar do impacto de cariz transformador que a ONU pode apresentar num mundo com menos conflitos e mais pacifico, com a UNICEF percebemos que este projeto de paz e cooperação, fundado no rescaldo da 2ª Guerra Mundial, torna-se cada vez mais concreto.

Para além da sua filosofia de garantir que os direitos fundamentais dos mais pequenos são respeitados, a UNICEF traduz a sua ação em 5 pilares fundamentais: sobrevivência e desenvolvimento, educação, proteção infantil, alterações climáticas e equidade. Se sairmos do nosso recanto favorecido de uma Europa que preza pela dignidade da pessoa humana e nos assegura os direitos fundamentais que jamais poderão ser violados, ao chegarmos a cantos menos privilegiados do globo, deparamo-nos com algumas situações que nos irão parecer inacreditáveis, como é o caso das elevadas taxas de mortalidade infantil.

Na África Subsaariana e na Ásia Meridional, cerca de 15000 crianças falecem todos os dias antes de completarem 5 anos de idade, sendo que, em 2016, 2600 crianças morreram no seu primeiro dia de vida. A maioria das causas da elevada mortalidade são antecipadas de uma resolução de tratamento com sucesso, no entanto a falta de pessoal médico, a escassez de água potável e o não acesso a saneamento básico, contribuem para que estes problemas, que à partida teriam uma solução simplificada, persistam e se tornem fatais para a população infantil. Nos países menos desenvolvidos, o direito à educação, enquanto principal elevador social, é altamente condicionado. E quando olhamos para o espaço feminino é inexistente, devido a bloqueios de índole cultural. Assim, a UNICEF possui um papel extremamente relevante na vida destas crianças desfavorecidas, garantindo-lhes o acesso ao direito que lhes permite conquistar o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas e intelectuais, assim como, numa fase posterior, abandonar a pobreza e subir no elevador social - o direito fundamental à educação. No mundo assimétrico, em que muitas das crianças nem sequer têm o direito a uma nacionalidade, dado que cerca de 230 milhões de crianças não são registadas à nascença, frequentemente veem-se cercadas por um conflito armado, onde a lei internacional não impera e as abandona. Torna-se cada vez mais importante o papel de instituições que prezam pelos direitos humanos, como a UNICEF.

As disposições previstas no Artigo 4º da Convenção dos Direitos da Criança[1] consagram o dever dos Estados de garantirem os direitos fundamentais das suas crianças, no entanto sabemos que na prática esta ideia torna-se ineficaz. No mundo contemporâneo onde vários países começam, no sentido literal do termo, a desaparecer, devido ao rápido avanço das alterações climáticas, crescem exponencialmente as secas e inundações, que para além de deixarem famílias deslocadas, contribuem para a propagação de doenças que são, na maioria das vezes, uma das causas de morte infantil. Ao sabermos que a condição em que nascemos condiciona grande parte do nosso processo de potencial ascensão social, deverá imperar a lei internacional em matérias de direitos fundamentais, sendo necessário que a UNICEF continue a proteger da melhor forma os direitos dos mais novos, concedendo-lhes ferramentas para que possam efetivamente sair do cenário de pobreza, através do seu mérito, tendo em vista um horizonte com uma vida mais digna.

Embora a UNICEF impere sobre matérias de direitos fundamentais infantis, o maior medo que ainda se sente por parte da população é a falta de credibilidade nas grandes organizações e caridades, sendo acompanhadas de vozes contraditórias, comentários mediáticos e "fake news" tornando-se necessário que os doadores saibam que as doações estão a ser alocadas para o efeito para o qual foi feita a sua doação. A UNICEF é uma das organizações mais confiáveis para se doar sendo gerida pela ONU e acarretando um elevado grau de responsabilidade[2], e a falta de mediatismo que seja garante de trazer aos doadores o conhecimento da sua importância para quem ajudam é estonteante.

No próprio site da UNICEF, o seu último relatório "The State of the World's Children 2023" debruçou-se sobre a saúde e vacinação. Neste extenso estudo o mais chocante é a percentagem da população que confia que a vacinação é importante para as crianças após a pandemia COVID-19, e onde Portugal emerge com cerca de 92% (9,476 milhões) percebendo que quase um milhão de portugueses não confia na vacinação das suas crianças. Além disto, outros Estados europeus com grande influência na União Europeia, caso da Bélgica (72%), França (75%) e Alemanha (81%), apresentam-se com percentagens baixas para aquilo que deveriam ser representativas de países desenvolvidos, quanto os dois países com as mais altas taxas deste índice são a Índia (98%) e o Vietname (97%)[3]. A educação e "awareness" desta questão é fulcral para o que a UNICEF visa alcançar, pois os inquiridos sobre esta temática educarão as suas crianças consoante o seu entendimento sobre a temática.

A Guerra na Ucrânia e a Guerra Israel-Hamas são dois momentos nos dois últimos anos onde a UNICEF tem feito tudo o que está ao seu alcance para apoiar as crianças e as suas famílias, trabalhando com parceiros para garantir serviços essenciais como saúde, educação, proteção, água e saneamento. Esta instituição foi e tem sido um dos garantes de esperança, de calor, de saneamento, de educação e da saúde das crianças, incluindo o apoio psicológico e mental a crianças vítimas de violência de género[4].

Contudo, a perceção pública do seu apoio à comunidade global não é entendida por todos, tendo sido acusada de "tornar crianças em fund-raisers" e de escolas e outras instituições públicas estarem a doar o dinheiro dos seus contribuintes para as práticas desta instituição sem estes se poderem pronunciar[5]. Outra razão pela surge discórdia face à UNICEF deve-se à sua falta de envolvimento na proteção das vitimas de abuso sexual na República Central Africana, vitimas destes atos por mãos de peacekeepers franceses. Estes soldados assistem regularmente a UNICEF no seu acesso a locais onde um conflito ainda pode persistir ou vir a desenvolver-se e onde é necessária a manutenção da paz. Embora a UNICEF tenha admitido o seu erro face aos abusos supramencionados, veio ainda a saber que outras crianças sob o seu cuidado se encontravam abandonadas, sem escolas e sem abrigos através de um documentário sueco denominado "Mission Investigate". Porém, pouco antes do lançamento deste documentário, a UNICEF Países Baixos admitiu publicamente a sua falha no auxilio às vitimas que alegadamente estavam sob o seu cuidado, o que leva a crer que possam ainda existir outros casos que mesmo a UNICEF e a ONU desconheçam. Para isso, Karin Mattisson, repórter do "Mission Investigate", diz vir a continuar a sua investigação e admite a sua dificuldade na investigação que levou à reportagem afirmando que "when we investigated the UN and UNICEF it was a long journey into their culture of silence"[6].

Acreditamos que o mote que necessita de ser promulgado é o de "Através da Transparência, Nós cultivamos a Consciencialização", isto pois só garantindo que a UNICEF tem conhecimento sobre o que tem em mãos se pode dar credibilidade ao que é afirmado pela instituição. Sendo ainda fundamental que a UNICEF continue a fazer cumprir a Convenção dos Direitos da Criança, zelando pelos direitos fundamentais dos mais novos, funcionando como garante da dignidade humana, quando os Estados não mostram interessados em fazê-lo em prole do futuro do país e denegrindo aqueles que contribuirão para o seu potencial desenvolvimento. Não obstante, será necessário que a instituição faça os possíveis para que o seu nome não seja alvo de escândalos, pois só assim poderá garantir a sua legitimidade na defesa dos direitos das crianças, nas várias esferas atuantes e em todo o globo.


Nicole Leitão (FLUL) e Tiago Marquês (UAL)



[1] Tratado de 1989 que tem como objetivo a proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes em todo o globo

[2] UNICEF, 2020

[3] UNICEF, 2023a

[4] UNICEF, 2023b

[5] Markowicz, 2016

[6] McVeigh, 2018

Referências bibliográficas: Markowicz, K. (2016). Stop turning kids into UNICEF fund-raisers. New York Post. [Consult. 8 dezembro 2023]. Disponível online em https://nypost.com/2016/10/23/stop-turning-kids-into-unicef-fund-raisers/ McVeigh, K. (2018). Unicef admits failings with child victims of alleged sex abuse by peacekeepers. The Guardian. Fevereiro 2023. [Consult. 9 dezembro 2023]. Disponível online em https://www.theguardian.com/global-development/2018/feb/13/unicef-admits-failings-with-child-victims-of-alleged-sex-abuse-by-peacekeepers UNICEF. (2019). “Convenção sobre os Direitos da Criança e Protocolos Facultativos”. Comité Português para a UNICEF. [Consult. 10 dezembro 2023). Disponível online em https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf UNICEF. (2020). Busting 5 myths about large charity organizations. UNICEF South Africa. [Consult. 6 dezembro 2023]. Disponível online em https://www.unicef.org/southafrica/stories/busting-5-myths-about-large-charity-organizations UNICEF. (2023a). The State of the World’s Children 2023: For Every Child, Vaccination. UNICEF Innocenti – Global Office of Research and Foresight, Florença, Abril 2023. [Consult. 8 dezembro 2023]. Disponível online em https://www.unicef.org/media/108161/file/SOWC-2023-full-report-English.pdf UNICEF. (2023b). War in Ukraine: Support for children and families. UNICEF, Dezembro 2023. [Consult. 9 dezembro 2023]. Disponível online em https://www.unicef.org/emergencies/war-ukraine-pose-immediate-threat-children#how-unicef-helping UNICEF. (s.d.) “Áreas de Actuação”. UNICEF. (Consult. 10 dezembro 2023). Disponível online em: https://www.unicef.pt/o-que-fazemos/%C3%A1reas-de-actuacao/
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