Alameda da Universidade, Lisboa

A ALIANÇA SINO-RUSSA NO CONTEXTO DA GUERRA RUSSO-UCRANIANA

09-05-2025
Marek Studzinski
Marek Studzinski



Autora: Alice Pereira


Introdução

Este trabalho visa entender como funciona a aliança entre a Rússia e a China, o seu contexto e histórico.

O papel desta na guerra russo-ucraniana e entender como a Europa pode ser afetada.

As respostas da Europa a esta aliança, assim como esta reage à mesma.

Procura desenvolver as relações entre os países euroasiáticos, de forma a perceber como pode abalar a estabilidade europeia e a hegemonia norte-americana.

Pretende perceber os limites da aliança sino-russa, e o que se pode esperar desta.

A ALIANÇA SINO-RUSSA NO CONTEXTO DA GUERRA RUSSO-UCRANIANA

A Federação Russa e a República Popular da China nem sempre tiveram relações amigáveis e de cooperação entres elas. Durante a maior parte do século XX, foram Estados antagónicos e até rivais, havendo especial relevância no período da Guerra Fria.

Só a partir de 1991, com o colapso da URSS e com o cessamento da Guerra Fria, é que a Rússia e a China conseguiram estabelecer relações favoráveis duradouras, uma vez que tinha havido um curto período em que a URSS e a China partilhavam um tratado de amizade, aliança e assistência mútua, que durou de 1949 até 1956.

A reconstituição da aliança sino-russa marca o seu inico início a partir do final da década de 1980, mais precisamente em 1989, com a restauração das relações partidárias.

Com o derrube da URSS, em 1991, estabelece-se uma nova etapa nas relações sino-russas. Em 2004, é assinado um acordo entre a China e a Rússia que representa uma aproximação destes Estados, pois pretende resolver as tensões fronteiriças que as duas potências disputavam há vários anos.

Acordo de Fronteiras Sino-Russo de 2004

Para entender as relações entre a China e a Rússia, é necessário atender à importância deste acordo e ao seu significado. Este, por sua vez, resolveu a disputa de limites de fronteiras dos territórios russo e chinês, nomeadamente face à Ilha Tarabarov (Yinlong) e a metade ocidental da Ilha Bolshoy Ussuriysky (Heixaiazi).

As fronteiras sino-russas estendem-se por cerca de 4000 quilómetros, e o que se entendeu foi que a Ilha Tarabarov seria transferida na sua totalidade para a posse chinesa, enquanto a Ilha Bolshoy Ussuriysky seria divida entre ambos os Estados.

A importância deste acordo transporta para a resolução de conflitos de longa data e tensões que resultaram em confrontos armados em 1969, numa das fronteiras sino-russa.

Este acordo fortaleceu as relações entre estes dois países e foi visto como benéfico para ambos e para o cessamento do clima de tensão, prosperando uma confiança mútua, sendo consolidada uma parceria económica, comercial, humanitária, estratégica e política.

Desta forma, o acordo permitiu que estes países se concentrassem em interesses estratégicos semelhantes relativamente à hegemonia dos EUA no mundo, questões relativas à NATO e à ONU.

Os interesses dos dois eixos desta aliança são de diversas variantes, nomeadamente a redução da influência norte-americana no contexto económico, comercial, militar, entre outros aspetos, como forma de combater a hegemonia dos EUA. Tendo em conta que os EUA são atualmente os principais rivais da Rússia e da China, a aliança sino-russa vai aproximar estes países, neste contexto, de forma a ser possível à China atingir níveis superiores aos norte-americanos.

Assim, a China e a Rússia ajudam-se mutuamente para atingir estes resultados, por exemplo, na sua cooperação económica e comercial, havendo benefícios nas trocas de ambos, em determinados produtos.

A questão de Taiwan é também um foco de instabilidade entre a China e os EUA. A Rússia, por sua vez, apoia a posição chinesa. Esta problemática consiste na vontade de independência do Taiwan da República Popular da China, sendo esta apoiada pelos EUA. As tensões estão sobre a Ilha da Formosa, a qual está sob "visão" da China, e onde já houve crises nas quais a China demonstrou a sua capacidade operativa.

A China por sua vez, tem vindo a desenvolver novas formas de defesa, no contexto militar e marítimo – PLAN (People's Liberation Army Navy) – com capacidade bioceânica, no Pacifico e no Índico, onde prevalece a hegemonia marítima dos EUA.

As consequências desta aliança para a Europa

O que esta aliança significa para a Europa é uma perspetiva com várias componentes, que pode ameaçar a segurança europeia, uma vez que a Rússia se apresenta como uma potência militar e a China como potência crescente em termos económicos e políticos. Isto gerará problemas no sistema de segurança da NATO, uma vez que estes Estados se protegem entre si.

Isto vem também ao encontro da guerra da Ucrânia, que instabiliza a Europa em todos os aspetos.

Neste contexto, passa a existir uma maior relevância das parcerias geoestratégicas, despertando tensões em várias regiões.

Abordando os aspetos económicos, passa a haver uma reconfiguração do comércio internacional, tendo em conta o redirecionamento das exportações de energia da Rússia para a China, que passa então a substituir a Alemanha como principal parceira económica da Rússia. Estas trocas beneficiam de valores mais reduzidos, colocando a posição europeia em desvantagem.

Esta aliança resulta também na divisão de visões dos Estados europeus, adotando posicionamentos diferentes uns dos outros, dificultando as relações, a integração e união da Europa.

A parceria sino-russa afirma na Europa um sentimento de necessidade do reforço da defesa e da sua autonomia, de outras instituições e alianças externas para a sua segurança e defesa. É necessário um maior investimento nos sistemas defensivos europeus, estando os Estados já de facto a debater soluções para esta questão.

A aliança entre a China e a Rússia apresenta vários desafios para o espaço europeu, combinando problemáticas em vários setores essenciais, testando a capacidade das instituições não só europeias, como internacionais, em adaptarem-se às rápidas modificações na realidade atual.

Contexto da guerra na Ucrânia

A guerra tem um papel essencial na forma como a China projeta a sua posição internacional. O ressurgimento de conflitos entre Estados na Europa afeta não apenas o equilíbrio regional europeu, mas também a dinâmica de segurança em toda a Eurásia. Nesse contexto, a parceria estratégica com a Rússia é algo que a China não pode abrir mão.

Essa aliança é reforçada pela rutura entre Rússia e EUA, que antecedeu o distanciamento entre a China e os EUA. Além disso, a estratégia chinesa em relação a Taiwan, com a potencialidade de um confronto com os norte-americanos, também molda essa parceria. No entanto, há uma evidente assimetria entre as duas potências: enquanto a China se destaca como uma força global em várias dimensões, a Rússia permanece limitada aos domínios militar, diplomático e energético. Isto força Moscovo a procurar intervenções de alto risco, como na Ucrânia (2014) e na Síria, para preservar sua relevância na relação com Pequim.

A invasão russa da Ucrânia trouxe respostas distintas no cenário internacional. Os EUA, o Reino Unido e a França condenaram e sancionaram a Rússia, proibindo as importações de petróleo e as exportações de bens de alta tecnologia. Isto fez com que o comércio destes países com a Rússia diminuísse significativamente, criando prejuízos à Rússia, pois cerca de metade das receitas anuais do governo russo provém destes produtos. Ainda assim, a Rússia não sentiu grandes efeitos devido aos benéficos da aliança sino-russa, pois a China manteve uma posição neutra.

Um marco desta aliança foi a Declaração Conjunta assinada a 4 de fevereiro de 2022 por Xi Jinping e Vladimir Putin, que descreve a relação como uma "amizade sem limites". Apesar de vaga, essa fórmula sinaliza uma parceria que se estende até à proteção diplomática chinesa em Organizações Internacionais e à disseminação de desinformação sobre o conflito.

Mesmo com essa proximidade, a China adota uma postura prudente na guerra russo-ucraniana. Respeita regras que visam limitar o conflito, como a rejeição ao uso de armas nucleares – um compromisso firmado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Neste sentido, Pequim vê-se limitado e não pode enviar tropas ou armas à Rússia, mas garante apoio económico e diplomático.

Neste contexto, a China pretende manter uma imagem de mediadora neutra. Pequim condena o uso de armas nucleares e defende o fim do conflito em prol da estabilidade eurasiática, aproveitando para se aproximar da Europa, e enfraquecer os laços europeus com os EUA. A China apresentou, a 24 de fevereiro de 2023, um plano de doze pontos para a "resolução política da crise", enfatizando princípios humanitários e condenando ataques a instalações nucleares civis, mas sem abordar questões territoriais ou o futuro posicionamento da Ucrânia.

Xi Jinping não pode dar-se ao luxo de ver Putin derrotado na Ucrânia, mas também não permitirá que os seus interesses internos sejam prejudicados, especialmente em relação a Taiwan. Assim, procura equilibrar a sua diplomacia para preservar relações com aliados dos EUA na Europa e na Ásia, enquanto intensifica a pressão sobre Taiwan.

A referida aliança entre a China e Rússia "sem limites" não é necessariamente num sentido literal. Há fatores que limitam, de facto, esta aliança.

Como referido anteriormente, a Rússia e a China vêem-se com realidades internas distintas, apresentando diferenças e desequilíbrios de poder, uma vez que a China se apresenta como potência económica, sendo um dos maiores exportadores internacionais, e a Rússia, embora sendo territorialmente maior, não tem a grandeza e influência económica da sua aliada. Neste sentido, a Rússia, devido às sanções que lhe foram aplicadas devido à Guerra da Ucrânia, dependerá cada vez mais nestes aspetos da China. A questão que se coloca é até onde estará a China disposta a beneficiar e auxiliar a Rússia neste sentido?

Além disto, a China está em constante desenvolvimento militar, em termos de exército e de armamento, o que significa que também não dependerá tanto da potência militar que é a Rússia, caso as circunstâncias se desenvolvam negativamente.

Outro aspeto que se revela é a questão da influência de ambas as potências no Médio Oriente e as possíveis tensões que podem surgir neste sentido. Pode haver um confronto político ou até mesmo económico, especialmente em regiões ricas em recursos como a Sibéria.

Estes aspetos não significam essencialmente que a aliança resulte numa rutura imediata, em caso de derrota russa, mas há uma certa vulnerabilidade escondida.

As políticas geoestratégicas também diferem entre os dois eixos, no âmbito de táticas e prioridades. A Rússia por seu turno, tem uma intervenção ativa nas suas áreas de interesse, o que leva ao isolamento russo. Em comparação, a China adota uma política mais assertiva, evitando conflitos diretos, pois sabe o perigo destes e as potenciais consequências, tendo em conta a sua competição com os EUA por uma hegemonia. A China pretende manter as suas relações internacionais e integridade interna.

Respostas da Europa

Este conflito entre a Rússia e a Ucrânia requer soluções por parte da restante Europa, das suas instituições, e das Organizações Internacionais.

Ursula Von Der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, manifestou a sua vontade de constituir uma estratégia europeia independente dos EUA, mas numa lógica de "ocidente global". A sua intenção é de defender a União Europeia dos perigos inerentes, tendo em atenção a relação sino-russa.

A relação da União Europeia com a China é marcada por tensões e desafios, que já eram conhecidos antes mesmo da Guerra na Ucrânia. Em 2017, a UE criou um mecanismo para monitorizar investimentos chineses e, em 2019, definiu a China como "um parceiro negocial, um competidor económico e um rival sistémico". Essa descrição reflete bem a complexidade desta relação, simultaneamente próxima e conflituosa, e reconhece a ambição chinesa de construir uma nova ordem global, diferente da estabelecida após a Guerra Fria.

A autonomia pretendida pela Presidente da Comissão não deve ser vista como uma oposição à NATO ou aos Estados Unidos, pelo contrário, o fortalecimento de um pilar europeu na segurança atlântica deve ser construído em parceria, garantindo que a Europa não se torne irrelevante no cenário internacional, ou seja, reduzida a um peão nas disputas entre grandes potências. Seguindo esta lógica, os EUA precisam de abandonar a sua ambivalência em relação à defesa europeia e apoiar o seu reforço, garantindo a segurança da Europa a longo prazo.

Apesar desta parceria ser necessária, a Europa e os EUA não partilham da mesma perspetiva sobre como lidar com o avanço da China como uma grande potência autocrática. Neste cenário, a guerra na Ucrânia tornou-se um marco da competição entre China e EUA pela transição de poder global. No entanto, as estratégias transatlânticas para enfrentar essa mudança estrutural muitas vezes divergem.

Um exemplo claro disto foi a recente visita do Presidente francês Emmanuel Macron à China. Em abril, Macron defendeu que a Europa não deveria envolver-se num possível conflito entre a China e Taiwan nem automaticamente alinhar-se aos EUA. A Europa deveria ficar de fora de assuntos terceiros. Macron argumentou que isto é um risco maior, pois enfraquece a capacidade de decidir de forma autónoma. Esta posição do Presidente francês acabou por enfraquecer a possibilidade de uma resposta europeia conjunta e gerou controvérsias ao sugerir um distanciamento dos EUA e uma posição neutra em relação a Taiwan.

A Europa responde de formas diversas a esta guerra que se presencia até aos dias de hoje. Esta, por sua vez, aplicou sanções energéticas à Rússia, que se revelaram insuficientes. A Europa procurou com isto mitigar a influência russa e chinesa, através da retração de energia nuclear.

A Europa, neste contexto, procura aumentar e melhorar as suas relações intercontinentais, como forma de contrabalançar a influência da aliança sino-russa.

Considerações finais

O que se pode retirar da aliança sino-russa é que ainda está em contante desenvolvimento, acompanhando sempre as questões que vão surgindo ao longo do tempo, referindo então a questão de Taiwan e a Guerra na Ucrânia.

Esta aliança representa um perigo para o mundo, por não se saber os limites exatos desta aliança e da predisposição chinesa para continuar a apoiar a Rússia, mesmo de forma dita "neutral", uma vez que esta auxilia a Rússia de várias maneiras, como já visto.

Também não se sabe até que ponto está a Rússia disposta a ir em relação à sua intervenção na Ucrânia e o que se pode esperar da China, relativamente a avanços mais brutos, por parte da Rússia.

Vive-se um período de incógnita e tensão ativa, quase como uma Guerra Fria reduzida, à qual são necessárias soluções rápidas para manter a paz entre a Ucrânia e a Rússia, e uma redução de fricções entre as grandes potências.

Nesta visão, a Europa, por si, necessita de rever as suas políticas de defesa e segurança, aumentar os capitais para este setor, bem como investir em energia nuclear de forma a não ter de depender de países terceiros, para não passar necessidades e/ou crises económicas e políticas como se vive hoje por toda a Europa, muitas destas que despertaram desde a Guerra da Ucrânia.

A Europa necessita de instâncias militares autónomas dos países intervenientes da NATO, para que em casos de grandes conflitos, sejam eles de que natureza for, não dependam destes, nomeadamente dos EUA. A pretensão da UE é mesmo de uma espécie de aliança ou cooperação entre esta e os EUA, mas de forma que não tenha de depender destes para a sua própria defesa e segurança.

Portanto, esta aliança entre a Rússia e China veio acentuar as necessidades europeias de desenvolvimento, de forma mais urgente.

As questões essenciais que se colocam relativos a esta problemática é o que se seguirá desta aliança e da guerra ucraniana?

Referências

  • BBC. (n.d.). Líderes da NATO preocupados com aliança entre Rússia e China. BBC News. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1dxekp22peo
  • Expresso. (2024, 10 de julho). Líderes da NATO preocupados com aliança entre Rússia e China. Expresso. Disponível em https://expresso.pt/internacional/2024-07-10-lideres-da-nato-preocupados-com-alianca-entre-russia-e-china-4828a616
  • Gaspar, C. (2023). A China e a Guerra Russo-Ucraniana. Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). Disponível em https://ipri.unl.pt/images/publicacoes/artigos/2023/Gaspar2023A_China_e_a_Guerra_Russo-Ucraniana.pdf
  • Instituto da Defesa Nacional. (2023). IDN Brief: Junho 2023. Disponível em https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/90356581/IDN_Brief_junho_2023_textointegral.pdf
  • União Europeia. (2024). Relações entre a UE e a China – Recomendação do Parlamento Europeu. Jornal Oficial da União Europeia. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C_202404188
  • União Europeia. (2024). Relações entre a UE e a China – Recomendação do Parlamento Europeu. Jornal Oficial da União Europeia. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C_202404188


[Este ensaio é uma adaptação de um trabalho para a Unidade Curricular de Integração Europeia: Teorias e Instituições]

Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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