A demissão de António Costa
Na passada terça-feira, o primeiro-ministro António Costa apresentou a sua demissão após ter sido notificado pela Procuradoria-Geral da República. O referido órgão de soberania informou o primeiro-ministro de que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) iniciou uma investigação devido a suspeitas de corrupção. Considerando o comunicado divulgado pelo Ministério Público, a operação em curso implicou a realização de dezassete buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado, vinte buscas não domiciliárias nomeadamente em espaços utilizados pelo chefe de gabinete do primeiro-ministro, no Ministério do Ambiente e da Ação Climática, no Ministério das Infraestruturas, na Secretaria de Estado da Energia e Clima, na Câmara Municipal de Sines e na sede de espaços de outras entidades públicas e de empresas.
Segundo o inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão em causa factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência. Neste contexto, está a ser investigado: "as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas)", "um projeto da central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI)" e finalmente "o projeto de construção de "data center" desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade "Start Campus"."
Consequentemente, o Ministério Público emitiu mandados de detenção do chefe de gabinete do primeiro-ministro (Vítor Escária), do presidente da Câmara Municipal de Sines (Nuno Mascarenhas), de dois administradores da sociedade Start Campus (Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves) e de um advogado/consultor contratado por esta sociedade (Diogo Lacerda Machado). Além disso, o ministro das Infraestruturas (João Galamba) e o presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (Nuno Lacasta) foram constituídos arguidos. A última nota do comunicado refere que António Costa é suspeito de estar envolvido, na prática dos crimes mencionados.
O Presidente da República Portuguesa, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou a demissão do primeiro-ministro português e reuniu-se com o Conselho de Estado durante a quinta-feira desta semana. Além disso, também recebeu os partidos com assento parlamentar no Palácio de Belém. As decisões tomadas na respetiva reunião foram as seguintes: dissolução da Assembleia da República, marcação das eleições legislativas antecipadas para o dia 10 de março de 2024 e a aprovação do Orçamento de Estado para o próximo ano.
Em relação à aprovação do Orçamento de Estado inerente ao ano de 2024, salienta-se que o Governo aprovou o aumento do salário mínimo nacional para 820 euros, a partir do dia 1 de janeiro. Isto representa um aumento de 60 euros, que se traduz numa percentagem de 7,9%.
A comunicação social estrangeira reagiu prontamente à demissão de Costa. Citando a AFP: "Manchado por um escândalo de corrupção que levou à acusação de um dos seus ministros e do seu chefe de gabinete, o primeiro-ministro português, o socialista António Costa, anunciou a sua demissão". Prosseguindo, a Reuters anunciou que "no meio de uma investigação sobre alegadas irregularidades cometidas pela sua administração maioritariamente socialista na gestão de projetos de mineração de lítio e hidrogénio no país".

Esta crise política surtiu efeitos imediatos na economia de Portugal. Neste contexto, a Bolsa de Lisboa registou uma perda de 1,7 mil milhões de euros em capitalização bolsista na passada terça-feira. O Portuguese Stock Index diz respeito ao índice da bolsa, que agrega vinte ações de empresas portuguesas de referência, caiu 2,54% para 6.227,35 pontos. Por exemplo, as ações da empresa Mota-Engil registaram a maior queda percentual do dia 7 de novembro, o que equivale a uma perda de 52,6 milhões na sua capitalização em bolsa.
Como já foi referido, o Ministério Público emitiu mandados de detenção a cinco pessoas. Gostaria então de explicar, de que modo estes indivíduos estão envolvidos em alegados esquemas de corrupção. Eu optei por dividir este assunto em três partes a saber: a relação entre Lacerda Machado com os administradores da Start Campus, a busca policial realizada no gabinete de Vítor Escária e a detenção do presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas.
Primeiro, Lacerda Machado foi premiado com as ações da Start Campus. Num período de sete meses, este foi titular das ações da referida empresa, que correspondem a 0,5% do capital da mesma. Em troca, recebeu 143 mil euros a fim de utilizar a sua amizade pessoal com António Costa para favorecer o consórcio que instalou um data center em Sines. O despacho de indiciação publicado pelo Ministério Público refere que Lacerda Machado recebeu esta quantia monetária a partir de janeiro de 2022 e declarou-a ao Fisco, como rendimentos de categoria 8. No entanto, este nunca prestou serviços jurídicos, nem exerceu práticas de advocacia para a referida empresa. Salienta-se ainda que, a Start Campus é controlada pelos fundos Davidson Kempner e Pioneer Point Partners. Esta informação é importante, uma vez que Lacerda Machado é consultor do último. Segundo, a PSP e os procuradores do Ministério Público apreenderam 75.800 euros em numerário, no âmbito da Operação Influencer. Esta quantia de dinheiro foi encontrada no gabinete de Vítor Escária, que se localiza na Residência Oficial do Primeiro-Ministro.
Terceiro, Nuno Mascarenhas está indiciado não só por um crime de corrupção passiva, como também por um crime de prevaricação. O autarca do PS pediu um patrocínio de cinco mil euros para um festival de música, e um valor desconhecido destinado às equipas de futebol da região. A finalidade em causa era facilitar os procedimentos administrativos em curso na autarquia, relacionados com a construção do data center da Start Campus. Este projeto trata-se de um conjunto de nove edifícios, apoiado em 495 megawatts de potência. O investimento necessário é de 5,7 mil milhões de euros.
Em modo de conclusão, as suspeitas existentes de corrupção nos negócios associados quer à exploração de lítio, quer aos projetos de hidrogénio originaram uma investigação judicial que colocou um ponto final no XXIII Governo Constitucional.
Pedro Moreira