Alameda da Universidade, Lisboa

(A falta de) Abril nas faculdades

27-11-2023

Na madrugada de 13 de novembro, 6 estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), pertencentes ao movimento "Greve Climática Estudantil", foram detidos pela Polícia de Segurança Pública (PSP), após uma semana de protestos contra o uso de combustíveis fosseis que contribuem para as alterações climáticas.

Também na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), a 15 de novembro, 3 estudantes foram detidos enquanto ocorria uma palestra para cerca de 80 pessoas. Esta tem sido uma prática cada vez mais recorrente, com cerca de 30 detenções de ativistas efetuadas pela polícia no último ano.

Este nível de policiamento das universidades é algo que, facilmente, pode remeter para o período do Estado Novo, quando agentes da PIDE reprimiam os estudantes que reivindicavam as suas liberdades. E, se hoje olhamos para esses acontecimentos com desdém por esses tempos, a realidade é que, para alguns dos seus contemporâneos, essas manifestações eram vistas com o mesmo desprezo.

As lutas estudantis sempre foram alvo de repressão. A 25 de novembro de 1920, os estudantes em Coimbra decidiram tomar, com as suas próprias mãos, a iniciativa de ocupar um dos edifícios da Universidade – o Colégio de São Paulo Ermita – para ser sede da Associação Académica de Coimbra. O evento foi tão marcante que, na década de 1950, eram realizadas comemorações do Dia do Estudante a 25 de novembro para comemorar o acontecimento.

Existem inúmeros outros exemplos da repressão estudantil, sobretudo durante o período do Estado Novo, como a Crise Estudantil de 1962, em Coimbra, ou a Crise Académica de 1969, em Lisboa. Todos estes eventos acabaram da mesma forma que as atuais manifestações: com a repressão dos estudantes por parte das forças de segurança, com a conivência das estruturas diretivas das universidades.

E se, atualmente se classificam os protestos como disruptivos, a verdade é que os protestos de 1920, 1962 e 1969 também o foram. Uma manifestação tem a intenção de fazer a sua mensagem chegar aos órgãos de poder, quando estes não compreendem os sinais dados pela população civil até ao momento. Uma manifestação é a culminação de uma frustração e é isso que os estudantes e ativistas climáticos sentem neste momento.

Tal como em 1920, 1962 e 1969, os estudantes necessitaram de criar disrupção para fazer a sua mensagem passar claramente, também os ativistas climáticos estão num ponto de saturação. E se normalizamos o retorno da vigilância policial constante dentro do nosso espaço académico, então normalizamos um retrocesso democrático, desvalorizando um pouco mais os Valores de Abril. Citando um dos representantes estudantis deste movimento pelo fim do uso dos combustíveis fósseis: "Este é um precedente assustador no que toca à repressão da liberdade de expressão e direito à manifestação".

Que se tenha um debate real, sério e democrático sobre as reivindicações dos ativistas climáticos e a capacidade real de cumprir com as metas propostas é uma coisa. Defender o uso de repressão policial sobre jovens num espaço que se preza pelo livre debate de ideias, liberdade de expressão e fomentador de diversidade ideológica, cultural e social, é outra distinta, que afeta diretamente o nosso espírito democrático.

A realidade é que estamos longe de cumprir com os Acordos de Paris. Assistimos todos os anos a eventos climáticos cada vez mais catastróficos, sem a implantação de um plano real que procure contrariar essa tendência. Dentro da comunidade científica e académica, existe um consenso quanto ao impacto da atividade humana na alteração do clima, que vem desde o período da Revolução Industrial. Tudo isto é real e preocupa as gerações mais novas, que vão sofrer diretamente com as consequências.

Por outro lado, assistimos a um crescimento da extrema-direita que nega todos estes dados, tomando o lado das grandes corporações responsáveis pelo estado em que hoje o nosso planeta se encontra.

Tudo isto assusta, legitimamente, os jovens, que são confrontados com uma inação política face ao tema. Preferencialmente, isto seria um não-tópico. O senso-comum dita que, só tendo um planeta, temos o dever coletivo de o preservar para futuras gerações. Mas não. A ganância, a cegueira pelo lucro comanda e dita a sina da vida do nosso planeta.

O crescimento económico, o PIB, o PNB, os ratings financeiros, as estatísticas e gráficos que sobem e descem consoante a hora do dia, tudo isso não importa se não existir um planeta no qual possamos habitar.

Resumindo: Críticas ao movimento, às suas propostas e até ao seu método de atuação, são legítimas e necessárias no debate democrático. O que não podemos tolerar é a repressão de ideias e jovens dentro de um espaço onde se deveriam sentir seguros para expressar as suas opiniões divergentes e construir sobre elas. As políticas de repressão e ódio são de um regime passado e é lá que devem permanecer. Os valores de abril, assim o ditam.


Rodrigo Dias

Webgrafia: https://www.dn.pt/sociedade/seis-ativistas-pelo-clima-detidos-de-madrugada-apos-ocuparem-faculdade-em-lisboa-17336631.html https://expresso.pt/sustentabilidade/crise-climatica/2023-11-15-Esta-a-normalizar-se-uma-repressao-da-luta-estudantil-tres-estudantes-detidas-em-protesto-climatico-na-Faculdade-de-Psicologia-54e3cb89 https://www.publico.pt/2020/11/25/sociedade/noticia/coimbra-1920-estudantes-assaltaram-universidade-1940554 https://noticias.uc.pt/artigos/aac-assinala-tomada-da-bastilha/
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