Alameda da Universidade, Lisboa

A mobilização parcial para a guerra

14-10-2022

A problemática recente

Vladimir Putin, presidente da Federação Russa, decretou recentemente a mobilização parcial de militares em reserva para a denominada "operação militar especial" a decorrer em solo ucraniano.

Pouco depois desta declaração, o mundo assistiu ao levantar de manifestações populares nas principais cidades russas e à fuga de muitos homens russos, que procuravam não participar no conflito armado. Independentemente das saídas do país, muitos soldados compareceram à chamada militar.

Pouco depois, no passado dia 30 de setembro, decorreu uma celebração na Praça Vermelha de Moscovo para assinalar a anexação de quatro províncias ucranianas ao território russo: Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia, que teriam sido anexadas depois de um referendo acerca da posição da população.

Neste contexto, levantam-se algumas questões particularmente importantes: (1) Qual o significado da mobilização de 300,000 reservistas russos no contexto do conflito? (2) O resultado dos referendos deve ser aprovado pela Comunidade Internacional ou considerado fraudulento? (3) Poderão estes referendos acelerar a potencial entrada da Ucrânia na OTAN?

A mobilização parcial

Serguei Shoigu declarou que são mobilizados, numa fase inicial, 300 000 reservistas. O Ministro da Defesa russo ainda acrescentou que poderão ser chamados até 25 Milhões de indivíduos no futuro. Esta chamada imediata dirige-se apenas a homens com o serviço militar completo, com experiência de combate ou conhecimento de tática militar especializada, excluindo os estudantes e recrutas.

Além disso, nem todos os mobilizados serão enviados para o cenário de guerra imediatamente, sendo necessária uma instrução militar prévia, para preparação de combate. O Governo russo afirma que irá tratar estes reservistas como militares profissionais em exercício pleno de funções.

Juntamente com os soldados mobilizados, os chamados "soldados profissionais" ou "kontraktniki", atualmente ao serviço das forças armadas, terão os contratos prorrogados automaticamente até ao fim da mobilização. 

Outro fator de relevância neste contexto foi a aprovação de um projeto de lei pelo Parlamento russo acerca das punições relacionadas com a deserção, danos em bens militares e insubordinação durante esta mobilização militar ou em situação de guerra.

Imagem 1. Grupo de militares russos. Fonte: Telegram
Imagem 1. Grupo de militares russos. Fonte: Telegram

As dúvidas sobre os referendos

Os referendos realizados recentemente revelaram que, segundo a pesquisa, as populações das quatro províncias ucranianas escolheram ser anexadas à Federação Russa. Estes resultados foram contestados e condenados por parte da Comunidade Internacional, mais precisamente por grande parte dos países integrantes da Organização das Nações Unidas, que considerou que os eleitores participantes seriam claramente pró-russos ou teria existido coação militar. Isto é motivado pelo facto de que os cidadãos deslocados não terem conseguido expressas a sua intenção de voto.

Em contrapartida, a Federação Russa, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, vetou um projeto de lei apresentado nesse mesmo órgão, que pretendia ilegalizar a inclusão de Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Lugansk no território russo.

Complementando a perspetiva do Kremlin, o embaixador russo Vassily Nebenzia defendeu os referendos e argumentou que estavam presentes mais de 100 observadores internacionais de países como Itália, Letónia, Venezuela ou Alemanha, a fim de garantir a legitimidade do referendo.

Inclusivamente, Nebenzia afirma: "Os resultados dos referendos falam por si. Os residentes destas regiões não querem regressar à Ucrânia. Fizeram uma escolha informada e livre em favor do nosso país".

Além de tudo isto, é imperativo que sejam tidas em conta algumas implicações práticas deste conflito, mediante uma citação da Prof.ª Dr.ª Marina Miron, do Departamento de Estudos de Defesa da universidade inglesa King's College London: "A ideia aqui é que se estes territórios se juntarem à Federação Russa, qualquer ataque a eles seria então considerado como ataque à Rússia".

Imagem 2. Votação dos referendos, Donetsk
Imagem 2. Votação dos referendos, Donetsk

Assim, poder-se-ia deduzir que seria aberta a possibilidade de conflito nuclear, mediante a Constituição da Federação Russa, que permite o uso de armamento nuclear em caso de ameaça à soberania - os territórios anexados serão considerados território russo, como afirmado por Vladimir Putin em junho de 2020: "A Federação Russa mantém o direito de utilizar armas nucleares em resposta à utilização de armas nucleares e outros tipos de armas de destruição maciça contra ela e/ou contra os seus aliados (...) e também no caso de agressão contra a Federação Russa com o uso de armas convencionais, quando a própria existência do Estado é posta em perigo".

A entrada da Ucrânia na NATO

Um dos grandes temas levantados recentemente diz respeito à entrada da Ucrânia na OTAN, como signatária do Tratado do Atlântico Norte, depois da anexação polémica de províncias ucranianas em território russo.

Enquanto, em Moscovo, o Governo celebrava a anexação, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que o seu país daria um passo decisivo relativamente à entrada acelerada na OTAN.

No entanto, a posição dos países ocidentais e membros da NATO é mais cética, em relação ao tema. Apesar de nove países integrantes do antigo Bloco Soviético terem apoiado esta proposta (Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Polónia, República-Checa e Roménia), falta ainda o apoio dos restantes Estados-Membros.

Arkady Moshes, membro do Instituto Finlandês de Relações Internacionais, revelou à Agência Lusa que, nesta fase, o que se prevê é unicamente o início de "conversações" entre a Ucrânia e a OTAN.

O panorama político do mês de outubro foi composto por vários incidentes particularmente relevantes ao nível das Relações Internacionais, que demonstram claramente que o conceito do "Estado de Natureza" permanece intocável - o que se verifica ao nível das Relações Internacionais é que cada agente deve reivindicar o seu uso da força a fim de defender os seus interesses.

Ainda assim, o mapa geopolítico da Europa está a sofrer alterações significativas a cada semana que passa, numa primeira instância com a anexação da Crimeia em 2014 e numa segunda instância com os restantes territórios sobre ocupação russa.

Imagem 3. Celebrações em Moscovo: "Juntos para sempre"
Imagem 3. Celebrações em Moscovo: "Juntos para sempre"

Pedro Moreira, Estudos Europeus, FLUL


Referências

Adesão da Ucrânia à NATO é impossível no curto prazo". s.d. Acedido a 11 de outubro de 2022. https://www.rtp.pt/noticias/guerra-na-ucrania/adesao-da-ucrania-a-nato-e-impossivel-no-curto-prazo_n1437320 

Carbonaro, Giulia. 2022. "What Do We Know about Putin's Controversial Call-up of Reservists?" Euronews. 22 de setembro de 2022. https://www.euronews.com/my-europe/2022/09/22/putins-reservists-call-up-how-will-it-work-and-what-does-it-mean-for-russias-war-in-ukrain 

D'Agostino, Susan. 2022. "Read the Fine Print: Russia's Nuclear Weapon Use Policy". Bulletin of the Atomic Scientists (blog). 10 de março de 2022. https://thebulletin.org/2022/03/read-the-fine-print-russias-nuclear-weapon-use-policy/ 

"Russia vetoes UN resolution calling its referendums illegal - The Washington Post". s.d. Acedido a 11 de outubro de 2022. https://www.washingtonpost.com/world/russia-vetoes-un-resolution-calling-its-referendums-illegal/2022/09/30/2fc3f1ac-40f8-11ed-8c6e-9386bd7cd826_story.html 

"Voting begins in 'rigged' referendum to join Russia in occupied parts of Ukraine | PBS NewsHour". s.d. Acedido a 11 de outubro de 2022. https://www.pbs.org/newshour/world/voting-begins-in-rigged-referendum-to-join-russia-in-occupied-parts-of-ukraine 

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