Alameda da Universidade, Lisboa

Dia Internacional das Mulheres: os direitos das mulheres afegãs

08-03-2025
Fonte: ALI KHARA/Reuters
Fonte: ALI KHARA/Reuters


Autora: Alice Pereira


Uma realidade que viveremos para sempre é a constante luta das mulheres, seja por direitos, condições de vida ou, simplesmente, respeito.

Desde sempre que as mulheres enfrentam esta realidade de desigualdade perante os homens, onde lutam por direitos, dignidade, respeito, poder e igualdade.

A luta por estes valores nunca cessou e, felizmente, tem evoluído. Grande parte das mulheres já têm o direito à educação, ao trabalho, a viajar sem qualquer tipo de acompanhamento, a conduzir e, um dos mais importantes, o direito de votar. No entanto, ainda existem realidades onde a repressão contra o sexo feminino e os seus direitos naturais e básicos da vida fazem parte do presente, como é o caso do Afeganistão, assunto por onde se desenvolverá este artigo.

Hoje, no Dia Internacional da Mulher, irei abordar sobre como as mulheres, mesmo após séculos de luta, ainda são reprimidas, seja por culturas tradicionalistas e conservadoras, religiões ou regimes políticos, e como esta luta será eterna.

É de conhecimento geral que, desde a chegada dos Talibã ao Afeganistão, as mulheres e meninas sentem o terror e sofrem da repressão deste regime político.

Todavia, a sua realidade nem sempre foi assim tão trágica. A evolução dos direitos da mulher, no Afeganistão, começou no início do seculo XX, com o reinado de Amanulá Khan. Este, por sua vez, impôs reformas de modernização do país, transitando do islamismo tradicional para o modernismo. Kahn foi responsável pela criação de escolas para meninos e meninas, aumentou a idade mínima de casamento para as mulheres, os casamentos forçados foram proibidos, bem como as regras rígidas de vestuário.

Isto gerou uma forte contestação por parte dos conservadores e tradicionalistas que, mais tarde, conseguiram a destituição do rei Khan, em 1929, sendo o seu sucessor Nadir Shah, que rapidamente retraiu a maior parte destas reformas.

Porém, o seu reinado foi de curta duração, pois Nadir foi assassinado em 1933, tendo sido substituído pelo seu filho Zahir Shah. Este contrariamente ao seu pai, era a favor da evolução e modernização, e restituiu novamente as anteriores reformas de Khan.

Foi durante o seu mandato que se formalizou uma nova Constituição, além da criação de uma nova universidade, e, em 1964, foi concedido às mulheres o direito de voto (Portugal só conseguiu o sufrágio universal dez anos depois, com a revolução de 25 de abril de 1974).

No ano de 1973, com a instituição da República afegã, os direitos das mulheres evoluíram consideravelmente, acompanhando a tendência do resto do mundo. As mulheres foram exercendo cada vez mais cargos na sociedade, chegando estas a ter uma presença apreciável no parlamento.

Foi durante a época soviética, no final da década de 1970, que as mulheres tiveram a maior liberdade e igualdade de género. Pode-se tomar como exemplo que, 45% dos professores, eram mulheres, o governo fortaleceu a educação e proibiu a prática de se oferecer mulheres em disputas.

Ainda assim, havia uma ampla diferença entre as mulheres das áreas urbanas, nomeadamente Cabul, e as mulheres das regiões rurais, estas não sentiram essa realidade de liberdade e igualdade como as residentes da cidade, fosse devido à etnia, tribo, ou religião, pois não deixou de haver uma divisão entre reformistas e tradicionalistas.

Mais recentemente, era de esperar que as mulheres tivessem todas, mais ou menos, os mesmos direitos, condições e liberdades, mas lamentavelmente, a evolução não chega a todos os lugares e a todas as pessoas, efetivando mentalidades, religiões, culturas e políticas ainda muito retrógradas, conservadoras e tradicionalistas.

Este é o caso dos Talibã, que chegaram pela primeira vez ao Afeganistão em 1996, espalhando o terror e a repressão a todas as mulheres e meninas, sem que nada pudessem contestar sem sofrerem consequências horrendas.

Esta organização terrorista, como é considerada pela União Europeia, EUA, Canadá, Rússia, Emirados Árabes Unidos e Cazaquistão, veio destituir a luta e conquista das mulheres afegãs durante décadas.

Desde o seu retorno, em agosto de 2021, as mulheres foram proibidas de estudar além do sexto ano, de trabalhar, de viajar, sair de casa sem um acompanhante masculino (familiar), de participar nalgum tipo de atividade política, de conduzir, entre muitos outros direitos e liberdades que qualquer outra pessoa crê serem fundamentos basilares do bem-estar das sociedades.

Se se pensa que o código de vestuário já era restrito, desde janeiro do ano passado que é pior ainda. Os talibã têm detido mulheres e raparigas que não usam devidamente o seu hijab como previamente prescrito, sendo descrito como "mau hijab". De acordo com a agência de notícias de Portugal, a LUSA, há relatos por parte de investigadores da ONU de que estas mulheres, além de detidas, foram mantidas incontactáveis durante dias e sujeitas a "violência física, ameaça e intimidação".

As meninas afegãs estão proibidas de entrar num parque e aproveitar a sua juventude, como qualquer outra criança noutro canto do mundo. Já se contam mais de setenta (70) decretos promulgados pelos talibã, repletos de restrições e proibições referentes às mulheres.

Além disto, desde agosto do ano passado que as mulheres estão proibidas de falar em público, sendo mais um direito natural sufocado pelos talibã. Não podem expressar qualquer tipo de pensamento, não podem dizer um simples "olá". Este é mais um direito que as mulheres terão de reconquistar um dia, pois hoje, as mulheres e meninas afegãs só se podem comunicar dentro das suas próprias casas, nada mais. As suas vidas foram reduzidas às paredes das suas casas.

Outro aspeto que lhes foi suprimido: o facto de não poderem ser operadas por uma equipa inteiramente masculina sem a presença de um familiar masculino. As mulheres estão proibidas de estudar medicina. Estando aqui presente um dos maiores perigos das restrições talibã.

O que me leva a outro ponto, que é a acentuada crise humanitária que os talibã provocaram à população afegã. Não são apenas os direitos das mulheres que estão em causa, mas sim as consequências posteriores de todo o acumular de situações. O Afeganistão, graças ao regime talibã, apresenta uma das maiores crises humanitárias do mundo, com aproximadamente 23,7 milhões de pessoas a necessitar de assistência humanitária, 90% da população afegã vive numa situação de pobreza extrema. Sem quaisquer recursos alimentares e acesso a saúde, estas pessoas enfrentam um cenário de carência alarmante. Esta situação agrava-se a cada dia, uma vez que houve cortes na ajuda ao desenvolvimento. O plano de ajuda humanitária da ONU encontra-se subfinanciado, dado que os doadores contribuíram com apenas 12% dos fundos necessários (situação de agosto de 2024).

A União Europeia já aplicou sanções ao regime talibã e financiou projetos de ajuda humanitária para com o povo afegão, desde ajuda alimentar, a cuidados de saúde e até mesmo acesso a água potável.

Num dos eventos da UE, "Mulheres no Quadro dos Conflitos", em setembro de 2021, foi assinalada a importância da participação das mulheres no quadro político e na reconstrução da paz, sublinhando a "necessidade urgente de proteger os direitos das mulheres e das raparigas".

Hoje em dia, as mulheres e meninas afegãs não podem simplesmente viver, limitam-se a coexistir com os opressores que são os talibã, resistindo mais um dia, na esperança de que um dia este regime seja derrubado, luta esta que está longe de um fim.

Isto remete a um discurso de Meryl Streep, uma famosa atriz norte-americana, que, num dos eventos da ONU, afirmou que "hoje, em Cabul, umo gato tem mais liberdade do que uma mulher, um gato, pode sentar-se num banco de um alpendre e sentir o sol no seu rosto, pode perseguir um esquilo até ao parque. Um esquilo tem mais direitos do que uma menina no Afeganistão, porque os parques foram fechados às meninas e mulheres pelos talibã. Um pássaro pode cantar em Cabul, mas uma menina e uma mulher não podem, em público, (…) é uma supressão da lei natural".

Esta comparação é dolorosa de se compreender, de que um animal tem o direito de ter mais liberdades do que uma menina e um mulher. Porque atualmente, a liberdade, para as mulheres, é um direito de que não desfrutam. É deveras trágico, que este panorama seja efetivamente real, e que haja mulheres e crianças a passar por isto dia após dia.

Não obstante, todo o sofrimento que os talibã já causaram às mulheres, estas ainda não desistiram. Exemplo disso é a continuação das escolas clandestinas e o ensino às raparigas para lá da idade limite estabelecida pelo governo.

Há que se evidenciar o quão as mulheres e meninas no Afeganistão, são incrivelmente fortes, pois resistem a todas as restrições que lhes são impostas. É de notar a sua coragem e prevalência com tanto medo impingido nelas.

As mulheres não deveriam ter de lutar constantemente apenas para ter as mesmas liberdades e direitos dos homens. Homens e mulheres, são todos seres humanos, todos merecem as mesmas condições. As mulheres devem ser respeitadas, tratadas com a devida dignidade e admiração, devido a tudo o que são forçadas a superar todos os dias das suas vidas, desde olhares alheios, comentários desvirtuosos, medo, inferioridade salarial, escassez de oportunidades, expectativas completamente irrealistas sobre o seu aspeto e comportamento, entre tantos outros cenários que são frequentes na vida de todas as mulheres do mundo.

São chamadas de dramáticas, emotivas, fracas, inferiores, mas são as mulheres que dão vida ao mundo. São as mulheres que têm de viver em constantes mudanças, para que possam carregar no seu ventre durante noves meses uma nova vida, passando por dores inimagináveis, que um homem nunca terá de suportar.

Uma mulher não é uma máquina, não é um objeto, não é um brinquedo nem um projeto. Uma mulher é o pilar da vida, é mãe, é avó, é irmã, é amiga, é companheira, e acima de tudo, é um ser humano.

Admirem as mulheres, porque, digam o que disserem, elas são os seres mais fortes que existem no mundo.

Feliz Dia Internacional das Mulheres.

Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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