Alameda da Universidade, Lisboa

Eleições italianas: "Renascimento" da extrema-direita

21-09-2022

As eleições legislativas na Itália estão marcadas para o próximo dia 25 de setembro. Nos últimos anos, o governo italiano esteve alicerçado em coligações entre vários partidos. O que aconteceu na prática foi a criação de uma coligação de forças, quer de esquerda, quer de direita, no mesmo governo, que não conseguiu manter a união entre as partes devido a incapacidade de resolver disputas internas, resultando na dissolução do governo.

Um dos fatores mais relevantes destas eleições é sem dúvida a liderança de Giorgia Meloni nas sondagens, que indica a possibilidade da ascensão de um governo de extrema direita pela primeira vez na história do país pós Segunda Guerra Mundial. Esta realidade é profundamente inovadora no espectro político italiano uma vez que no período pós-guerra este país tem sido governado maioritariamente por partidos de centro e com ideias europeístas.

Será que o fascismo terá condições para florescer novamente na sociedade italiana? Neste artigo apresentar-se-ão respostas plausíveis para esta dúvida.

Sistema Político Italiano

A Itália é uma República Parlamentar constituído por vários órgãos importantes:

  • O Presidente da República: Este é o Chefe de Estado, atualmente Sergio Mattarella, jurista celebre reeleito pelo parlamento para este cargo (segundo presidente a concedido tal honra).
  • O Primeiro-Ministro: Este é o Chefe de Governo, atualmente Mario Draghi, que apresentou a sua demissão após o fim do governo. Draghi é economista e liderou o Banco Central Europeu entre 2011 e 2019.
  • O Parlamento: É constituído pela Câmara dos Deputados (630 assentos) e pelo Senado (321 assentos).

Adicionalmente, há que referir o representante italiano dentro da Comissão Europeia, Paolo Gentiloni, os 24 membros do Comité Economico e Social Europeu e os 23 membros do Comité das Regiões Europeu

Imagem 1: Sergio Mattarella (esquerda) e Mario Draghi (direita)
Imagem 1: Sergio Mattarella (esquerda) e Mario Draghi (direita)

As eleições em si

Primeiramente, é necessário apresentar quais serão as forças políticas que irão concorrer neste ato eleitoral. De seguida, é fulcral compreender quais serão os sistemas de alianças que poderão ser construídos. Os principais partidos que irão concorrer às eleições serão:

  • Fratelli d'Italia: Este partido é liderado pela referida Giorgia Meloni e possui uma orientação nacionalista e conservadora. Está afiliado com o ECR no Parlamento Europeu, embora assuma uma posição declaradamente eurocética. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-destra (Coligação de centro-direita). Assemelha-se ao CHEGA em Portugal.
  • Partito Democratico: O seu líder chama-se Enrico Letta e é um partido de centro-esquerda, semelhante ao Partido Socialista em Portugal. Defendem a integração de Itália na UE e estão incluídos no S&D, um grupo parlamentar pró-socialista no PE assim como em outras estruturas da UE. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-sinistra (Coligação de centro-esquerda). É membro do
  • Partito Democratico - Italia Democratica e Progressista, uma lista eleitoral partilhada.
  • Lega: É um partido de direita, liderado por Matteo Salvini. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-destra. Pretende a retirada do país da UE e está representado no ID, justamente o grupo parlamentar apoiado pela francesa Marine Le Pen.
  • Movimento 5 Stelle: O facto curioso acerca desta força política é que têm uma orientação diversificada. Atualmente é o partido com mais deputados no Parlamento Italiano (160) e é liderado por Giuseppe Conte. Os seus membros têm uma posição dividida em relação à permanência de Itália na EU.
  • Forza Italia: É um partido de centro-direita, logo, partilha certas semelhanças com o PSD em Portugal. Silvio Berlusconi é a sua figura principal. Não há consenso relativamente à presença deste país na UE. O partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-destra tal como sucede noutros partidos de direita em Itália. Associa-se ao EPP a nível europeu.
  • Azione & Italia Viva: O seu líder é Carlos Calenda e o seu compromisso é a implementação do liberalismo. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido concorre na lista eleitoral conjunta Azione Italia Viva - Calenda.Pertence ao RE no contexto europeu e é totalmente favorável à continuidade da Itália na UE.
  • Alleanza Verdi e Sinistra: É um partido de esquerda liderado por Nicola Fratoianni. Não há um acordo mútuo dentro do partido relativamente à pertença da Itália na EU, embora pertença ao LEFT. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-sinistra. É comparável ao Bloco de Esquerda português.
  • Italexit - Per l'Italia con Paragone: Este partido possui uma orientação diversa, sendo encabeçado por Gianluigi Paragone. Não partilha uma perspetiva europeísta.
  • Più Europa: O seu líder é Benedetto Della Vedova. Faz parte do subgrupo Centro Democrático-Radical Italiani no parlamento nacional. Para estas eleições parlamentares nacionais, o partido é membro da aliança pré-eleitoral Coalizione di centro-sinistra. Além disso, está aliado ao RE no Parlamento Europeu.
  • Noi moderati: É um partido de centro. O líder é Giacomo Portas. Defende a continuidade de Itália na EU e pertence ao RE a nível europeu.
Imagem 2: Fonte Euro Elects
Imagem 2: Fonte Euro Elects

Coalizione di centro-destra vs Coalizione di centro-sinistra

Antes de serem apresentadas as previsões mais prováveis acerca do resultado deste ato eleitoral, é necessário perceber os acontecimentos que levaram à queda do governo.

Desde fevereiro de 2021 que Draghi dirigiu uma coligação onde estavam incluídos todos os partidos da Câmara dos Deputados com exceção do Fratelli d'Italia. Em meados de julho deste ano, o Movimento 5 Stelle decidiu abandonar esta aliança de forças. Este facto tornou-se num golpe fraturante para o Executivo italiano por dois motivos: Primeiramente, este é o partido que possui mais deputados na câmara baixa; em segundo lugar, houveram mais dois parceiros que também optaram pelo abandono (Forza Italia e Lega). Entretanto, o primeiro-ministro ainda tentou pedir uma moção de confiança ao governo, contudo o resultado foi insatisfatório.

Como já foi referido, o desfecho mais plausível para estas eleições é a vitória do Fratelli d'Italia com cerca de 25% dos votos (07/09/2022). Em segundo lugar, surge o Partito Democratico que registou 22% dos votos nas sondagens (07/09/2022).

No entanto há outro aspeto que precisa de ser analisado: a formação de coligações. Em Itália  formaram-se duas coligações importantes que podem definir a construção do próximo governo. A Coalizione di centro-destra agrupa a maioria dos partidos mais inclinados para a direita como Fratelli d'Italia, Lega e Forza Italia. Por outro lado, a Coalizione di centro-sinistra é composta pelo Partito Democratico, Alleanza Verdi e Sinistra e Più Europa.

Portanto, caso a vitória seja atribuída a Giorgia Meloni, ela provavelmente irá procurar entender-se com Silvio Berlusconi e Matteo Salvini. Caso contrário, se Enrico Letta for o próximo primeiro-ministro, o seu braço direito será certamente Nicola Fratoianni.

Imagem 3: Na imagem à esquerda temos Meloni, Berlusconi e Salvini. Na imagem à direita identificamos Enrico Letta (ao centro)
Imagem 3: Na imagem à esquerda temos Meloni, Berlusconi e Salvini. Na imagem à direita identificamos Enrico Letta (ao centro)

"Xeque ao Rei" vs "Xeque à Rainha"

Este tópico destina-se a apresentar alguns factos que poderão perturbar a imagem não só de Meloni como também de Letta.

A deputada mais célebre do Fratelli d'Italia escolheu Caio Mussolini (neto de Benito Mussolini) para representar o seu partido nas eleições europeias de 2019. Como é óbvio, alguns eleitores poderão ver com maus olhos o facto de uma figura associada à ditadura fascista italiana estar novamente no palco da política de Itália.

No que toca a Silvio Berusconi, este está envolvido em polemicas ligadas à operação militar russa em solo ucraniano, e após ter afirmado que a UE deve tentar persuadir a Ucrânia a aceitar as reivindicações russas, foi acusado de ser "putinista". Adicionalmente, a Mediaset (empresa que se encontra na posse de Silvio Berusconi) publicou uma entrevista com o ministro das Relações Exteriores da Federação Russa, Sergey Lavrov, onde foi alvo de polémica ao comparar Zelensky a Hitler pelas suas "origens hebraicas".

Estes factos são uma ameaça ao sucesso de Meloni, já que ela divulgou muitas vezes na sua campanha eleitoral que é favorável à aliança militar da NATO e à continuidade das sanções económicas à Rússia.

A própria Giorgia foi duramente criticada por ter publicado um vídeo na sua conta oficial do Twitter, que mostra uma mulher a ser violada por um requerente de exílio nas ruas de Piacenza. Os seus colegas rivais acusaram-na de praticar uma campanha indecente e meramente vulgar.

Já por outro lado, o Partito Democratico propôs a lei "Rosatellum" que acabou por ser aprovada no Parlamento. Agora é imperativo explicar rapidamente este preceito.

A República Italiana está dividida em 147 regiões, tendo o povo o dever de escolher um deputado para cada uma destas regiões. Por exemplo, os habitantes de Bolonha só podem votar nos representantes desta cidade. Esta parte da votação é uninominal e funciona através da maioria simples, e assim se elege um terço dos deputados. Já os restantes membros são escolhidos através de uma maneira proporcional. Isto significa que os mandatos são distribuídos de acordo com a proporção dos votos recebidos pelos partidos individuais. Letta afirmou publicamente a sua indignação através da seguinte citação "la peggiore legge elettorale che ha visto il nostro paese" (a pior lei que o nosso país já viu). Em síntese foi imediatamente acusado de hipocrisia por Giorgia Meloni no Twitter já que foi o próprio Partito Democratico que propôs esta lei na Câmara dos Deputados.

É por isso imperativo que os cidadãos europeus para que permaneçam atentos ao resultado das eleições dos diversos Estados Membros. Estes serão decisivos para a formação de novos sistemas de alianças no espaço europeu. Além disso é importante perceber que a História é capaz de elucidar a sociedade no que respeita à degradação da democracia e a ascensão de correntes alternativas, especialmente através do descontentamento popular, do apelo às emoções e a promessas de soluções simples para problemas complexos. A questão italiana suscita grandes incertezas nas próximas semanas e embora não vá por si acabar a democracia na Itália, o dado será lançado e talvez condicione em que direção em que esta se dirija


Pedro Moreira, Estudos Europeus, FLUL 


Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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