Eleições na Rússia

O Conselho da Federação, a câmara alta do Parlamento Russo, marcou as próximas eleições para o dia 17 de março de 2024. O comunicado feito pela presidente do Conselho da Federação, Valentina Matvienko, não só adianta que tal decisão foi tomada por unanimidade pelos senadores, como afirma que o mesmo dá início à campanha presidencial. Deixa-se em suspenso a possível participação nas eleições das regiões que Moscovo afirma ter anexado (Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia), nas quais ainda se está por decidir se as mesmas reúnem condições necessárias para o efeito, carecendo de consulta dos serviços secretos russos (FSB), do Ministério da Defesa e de outros departamentos.
Antes de avaliarmos os detalhes da informação até ao momento cuidadosamente disponibilizada pelo Kremlin, façamos um breve apanhado do que tem sido a política russa desde o início do século em que nos encontramos. Desde o ano de 2000 que uma figura se apoderou do poder na maior federação que o mundo conhece, sendo esta figura Vladimir Putin. Nascido a 7 de outubro de 1952, em Leningrado, União Soviética (hoje São Petersburgo, Rússia), Putin foi agente da Inteligência Estrangeira da KGB, tendo desempenhado cargos de alto estatuto, nomeadamente Vice-Presidente de São Petersburgo e Primeiro Ministro até se tornar Presidente da Federação Russa, desde o ano de 2000 até à atualidade, com uma interrupção de quatro anos (entre 7 de maio de 2008 e 7 de maio de 2012), período durante o qual permaneceu enquanto Primeiro Ministro da Rússia, num governo sob administração de Dmitri Medvedev, não raras vezes acusado de ser um fantoche de Putin.
Putin estabeleceu fortes ligações com países membros da União Europeia, nomeadamente com a Alemanha, sob a administração Merkel, com a qual assinou acordos de fornecimento de gás natural numa tentativa de tornar a Europa energeticamente dependente dos recursos naturais russos. Ao mesmo tempo que esta jogada política agradava os europeus por possibilitar crescimento económico devido aos baixos preços do gás russo, Putin promoveu um referendo que visava aprovar uma alteração na Constituição russa, alteração esta que permitiria ao atual presidente russo que assim permanecesse até 2036, o que transformaria Vladimir Putin no Presidente que mais anos serviu a Rússia, ultrapassando Stalin.
Uma vez tendo a campanha presidencial começado, o porta voz do Kremlin veio mencionar que o perfil procurado no próximo presidente é, e passo a citar, "o mesmo. Ou diferente, mas o mesmo", referindo que o atual Presidente Putin ainda se encontra elegível por mais dois mandatos de seis anos, até 2036, o que permite antever o resultado das eleições, tendo em conta que uma grande parte dos possíveis candidatos que poderiam fazer frente ao regime se encontram presos ou exilados, e a maioria dos meios de comunicação independentes proibida, fruto do apertado e rigoroso sistema político que Putin se deu ao trabalho de elaborar nos anos aos quais presidiu o Kremlin.
Tendo o prazo de candidatura terminado a 1 de janeiro de 2024, contam-se, no total, vinte e nove candidatos às eleições presidenciais, tendo apenas sido aprovados pela Comissão Eleitoral Central três deles. Chamo à atenção que, entre estes vinte e nove candidatos, encontra-se a candidatura de Yekaterina Duntsova, jornalista e ativista antirregime e pró-Ucrânia, à qual a candidatura foi barrada pelo CEC sob pretexto de "erros na documentação, incluindo ortográficos", afirmação confirmada pelo Supremo Tribunal Russo, que indeferiu o pedido de recurso de Duntsova. Tanto Duntsova como os demais candidatos aos quais o processo de candidatura foi interrompido acusam o CEC de colocar entraves aos candidatos que podem representar perigo para o regime atual, não podendo, porém, recorrer à justiça russa.
Assim, os candidatos até então aprovados são: [logicamente] Vladimir Putin, que formalizou a sua candidatura a 18 de dezembro de 2023, que concorre como independente, contudo, conectado com o partido Rússia Unida, que está a tratar do processo de angariação das 300 000 assinaturas de pelo menos quarenta regiões requeridas pela lei russa para candidaturas independentes;
Leonid Slutsky, nacionalista, do Partido Liberal Democrata, que não representa qualquer ameaça à reeleição de Putin, sendo que até então ocupou o cargo de Líder da Comissão dos Negócios Estrangeiros da câmara baixa do Parlamento Russo, tendo-se mostrado favorável à política externa do Kremlin;
E Vladislav Davankov, do Partido Liberal Novo Povo, partido este que tem apoiado a legislação levada a voto no parlamento pelo partido do Presidente, Rússia Unida, pelo que também não simboliza nenhum risco.
No entanto, as sondagens já foram lançadas e prevê-se que Putin ganhe com 80% dos votos, o que representa um aumento de 4% dos votos de aprovação do povo russo face às eleições de 2018. Este facto, manipulado ou não, vem abater a esperança Ocidental e refutar a sua teoria de que a guerra na Ucrânia e a revolta do Grupo Wagner tinha enfraquecido a popularidade de Putin, que se apresenta, agora, mais elevada do que nunca.
Miguel Fontes