
Eleições na Suécia: a bifurcação da tolerância
No próximo dia 11 de setembro, os suecos vão a votos, para eleger a composição do Riksdag, órgão legislativo nacional. Estas eleições surgem após uma sequência de impasses e crises políticas. Os 349 parlamentares eleitos, por seu turno, definirão quem será o próximo primeiro-ministro sueco, sendo que esta posição foi ocupada entre 2014 e 2021 pelo social-democrata Stefan Löfven e, mais recentemente, por Magdalena Adersson, também social-democrata, tendo sito também a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra.
Caracterização da política sueca
A Suécia é uma monarquia constitucional democrática representativa parlamentar, em que o poder executivo está atribuído a um governo liderado por um primeiro-ministro; o poder legislativo está distribuído entre o governo e o parlamento, que é eleito dentro de um sistema multipartidário e o poder judicial, tal como é o caso português, é independente, não sendo nomeado diretamente pelo governo. Apesar da Suécia ser uma monarquia, o poder que o monarca detém é maioritariamente simbólico.
A política na Suécia sempre teve uma forte adesão por parte da população, maioritariamente através de movimentos populares (conhecidos por folkrörelser) de onde se destacam os sindicatos. Na Suécia, os sindicatos estão intimamente ligados ao Partido Social-Democrata, o partido mais antigo do país, fundado em 1889, que historicamente afirma defender os interesses da classe trabalhadora. Em comparação com Portugal, a participação eleitoral na Suécia é muitíssimo mais elevada. De acordo com fontes oficiais, a taxa de participação da população nas eleições de 2018 foi de 87,18%.
Ao nível da política externa, o país é conhecido pelo seu princípio de não alinhamento em tempos de paz e neutralismo em tempos de guerra. Em 1995, a Suécia aderiu à União Europeia, juntamente com a Finlândia e a Áustria, algo que ampliou o número de Estados-membros de 12 para 15; contudo, para além da UE, a Suécia também é membro integrante da ONU, do FMI e da OCDE.
No parlamento sueco, estão representados oito partidos, sendo o maior o Partido Social-democrata, ou SverigesSocialdemokratiska Arbetareparti, liderado por Magdalena Andersson. É um partido de centro-esquerda europeísta, sendo comparável ao Partido Socialista português. Tal como o PS, este partido sueco faz parte da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu. O segundo maior partido é o Partido Moderado, ou Moderata samlingspartiet, um partido de centro-direita comparável ao Partido Social Democrata de Portugal. Este faz parte do Partido Popular Europeu no Parlamento Europeu. O terceiro maior partido é o Democratas da Suécia, ou Sverigedemokraterna, um partido nacional conservador de extrema-direita que faz uso de uma retórica xenófoba e nacionalista. Faz parte do grupo dos Conservadores e Reformistas no Parlamento Europeu, juntamente com o Vox de Espanha, o PiS da Polónia e o Rassemblement National de Marine Le Pen. De seguida, surge o Partido de Esquerda, ou Vänsterpartiet, um partido comparável ao Bloco de Esquerda em Portugal. O quinto maior é o Partido do Centro, ou Centerpartiet, um partido agrário e conservador que encontra a maioria dos seus eleitores nas zonas rurais do país. O Partido Democrata-cristão, ou Kristdemokraterna, é o sexto menor e é comparável ao CDS-PP em Portugal, fazendo parte do mesmo grupo o Partido Popular Europeu. O Partido Liberal, ou Liberalerna, de centro-direita e o Partido Verde, Miljöpartiet são os partidos que menos representantes têm no Riksdag.
Apesar do grande número de partidos políticos, o voto na Suécia está relativamente equilibrado entre todos. Se olharmos para o Riksdag, verificamos que o governo é composto pelo Partido Social-Democrata que tem 100 deputados, apoiado pelo Partido do Centro que tem 31 deputados, o Partido de Esquerda que tem 27 deputados, o Partido Verde que tem 16 deputados e um deputado independente. Na oposição encontram-se o Partido Moderado com 70 deputados, os Democratas da Suécia com 61 deputados, os Democratas-Cristãos com 22 deputados, os Liberais com 20 deputados e um deputado independente.

O motivo da eleição
O equilíbrio entre a esquerda e a direita na Europa tem vindo a alterar profundamente ao longo da última década e a Suécia não tem sido exceção. Este fenómeno deve-se em parte à ascensão do partido Democratas da Suécia (SD), de extrema-direita. Este partido tem vindo a marcar a agenda na Suécia, definindo quais os temas de debate no país e focando-se em tópicos como a imigração e a taxa de criminalidade nacional. Durante a campanha eleitoral de 2018, todos os partidos suecos prometeram que não negociariam com os SD. Isto tornou o processo de negociação de uma coligação que formasse governo algo extremamente difícil, dado o elevado número de assentos ganhos pelo partido. Um governo minoritário foi formado pelos Sociais-Democratas e os Verdes após 134 dias. Uma condição fundamental para a existência deste governo minoritário era o "acordo de janeiro" (Januariavtalet), formado entre os Sociais-Democratas, o Partido Verde, os Liberais e o Partido do Centro, sendo estes últimos dois um partido agrário e outro conservador. Os Liberais e o Partido do Centro assinaram este acordo com o centro-esquerda sueco como parte da promessa do estabelecimento de um cordão sanitário aos SD, impedindo que o partido de extrema-direita fosse incluído em qualquer forma de governo. O preço que os Liberais e o Partido do Centro pagaram foi o fim da aliança de direita com o Partido Moderado e o Partido Democrata-cristão. Se, por um lado, os Liberais e o Partido do Centro passariam a apoiar o governo, o Partido Moderado e o Partido Democrata-cristão permaneceriam na oposição.
Para tornar a situação mais complexa, este apoio do centro-direita não seria necessário ao governo, mas sim o apoio do Partido de Esquerda. Este não foi convidado para as negociações do "acordo de janeiro", o que seria algo necessário para garantir o apoio do centro-direita. Este acordo promoveu igualmente um conjunto de reformas consideradas economicamente liberais, algo que muito dificilmente seria apoiado pelo Partido de Esquerda.
Não obstante, a esquerda aceitou o novo governo, tendo em conta que todas as outras alternativas teriam sido, de acordo com o seu ponto de vista, piores. Ao mesmo tempo, este partido mostrou-se contra duas formas listadas no acordo. A primeira diz respeito, sumariamente, a regras sobre o mercado de trabalho e os direitos dos trabalhadores. A segunda diz respeito a reformas que promovem a liberalização do mercado de aluguer de imóveis na Suécia. O partido indicou claramente que, se o governo tentasse implementar estas reformas, retiraria o seu apoio na totalidade.
Foram estas reformas que levaram à mais recente crise. O governo pressionou a legislação que reduziria o poder da Associação Sueca de Inquilinos (Hyresgästföreningen), que tem bastante importância na defesa dos direitos dos inquilinos no país e de negociar as rendas dos inquilinos em propriedades recém-construídas. Esta legislação levaria a aumentos exponenciais nas rendas de milhões de suecos e fortaleceria o poder dos senhorios na negociação das rendas.
Consequentemente, o Partido de Esquerda emitiu um ultimato ao governo: ou o governo abandonaria esta proposta, ou o partido retirar-lhe-ia o seu apoio. O governo social-democrata considerou este ultimato como sendo bluff dos esquerdistas, não acreditando que votariam ao lado da direita e extrema-direita. No entanto, foi exatamente isso que aconteceu.
Como será o futuro?
Após o voto de desconfiança, o social-democrata Stefan Löfven tinha duas opções: renunciar o cargo de primeiro-ministro e iniciar um processo de indicação de um novo primeiro-ministro ou convocar novas eleições. Löfven escolheu a primeira opção. O seu principal motivo foi o facto de uma eleição ordinária estar convocada para setembro de 2022, que serão estas próximas eleições, sendo assim desnecessária a existência de dois processos eleitorais para o mesmo órgão seguidos.
O Partido Liberal decidiu que não aceitará a continuação de um governo de centro-esquerda, afirmando que apoiaria uma alternativa conservadora de direita. Contudo, um governo de direita precisaria obrigatoriamente do apoio da extrema-direita. Apesar das promessas do centro-direita e direita de não negociarem com o SD, estes partidos alteraram a sua posição durante a última legislatura. Desta forma, foi formado um bloco conservador e nacionalista de direita no Riksdag, um bloco com uma abordagem mais crítica da imigração e uma posição mais dura em relação à defesa da "lei e da ordem", apoiando o investimento no policiamento e vigilância. Esta abordagem é nova na política sueca, pois o país era caracterizado por receber de braços abertos migrantes e por ser socialmente progressista.
Sem embargo, existe uma exceção entre os partidos da antiga aliança de direita. O Partido do Centro manteve a linha que traçou entre si e os SD, prometendo que não a ultrapassaria. Para além disto, o partido afirma não legitimar nenhum governo do qual os SD façam parte. Ao mesmo tempo, este partido não quer um acordo com o Partido de Esquerda, logo, não existe apoio suficiente para que se forme um governo à esquerda.
Este conjunto de imposições e exigências entre os partidos leva-nos ao impasse em que a Suécia se encontra atualmente para a formação de um novo governo. É necessário que os principais partidos mudem de posição para se estabelecer um governo maioritário na Suécia. Caberá ao Partido do Centro decidir se prefere formar um governo com o centro-esquerda e a esquerda ou com a direita conservadora e a extrema-direita. Uma análise paralela leva-nos para a questão da transferência de voto à esquerda. Uma transferência de voto do Partido Verde e do Partido de Esquerda para o Partido Social-democrata, o chamado voto útil, podia levar a que as contas para estes dois partidos de menores dimensões se complicassem. Este é um fator potencializado pelo facto de Magdalena Andersson, apesar da posição em relação à negociação dos contratos de arrendamento, pertencer à ala esquerda do partido, posicionando-se à esquerda de Löfven no espectro político, algo que poderá atrair eleitores que não se reviam nas políticas liberais do social-democrata. Deste modo, poderá ser o Partido Verde a definir a próxima coligação que governará o país, tendo em conta que o Partido do Centro se recusa a trabalhar tanto com o Partido de Esquerda, como com os SD.

Nesta sondagem da Novus, empresa sueca de sondagens, está indicado que os sociais-democratas ganharão as eleições com 30% dos votos, sendo que, se a mesma se verificasse, uma coligação de esquerda parlamentar teria maioria para governar. Uma possível coligação entre os sociais-democratas, os Verdes, o Partido de Esquerda e o Partido de Centro obteria 50,6% dos votos, reunindo 180 assentos parlamentares. Por outro lado, os restantes partidos, numa coligação de direita, apenas reuniriam 47,7% das intenções de voto, o que se refletiria em 169 assentos no Riksdag.
Podemos ainda verificar algo inédito, estando atentos ao facto do partido de extrema-direita SD poder ser o segundo maior partido do país, ultrapassando o Partido Moderado em intenções de voto. Este fenómeno é um exemplo de como a extrema-direita e a direita radical estão a ocupar o papel que historicamente pertenceu a partidos liberais conservadores de centro-direita na Europa. Se esta sondagem se verificasse como realidade, Magdalena Andersson teoricamente seria capaz de manter o cargo. Não obstante, o Partido de Esquerda discorda em absoluto do Partido de Centro no que toca a assuntos orçamentais, entrando assim os partidos em exigentes negociações para formar governo.

Já esta sondagem mais recente, com uma população inquirida de 2163 pessoas entre 31 de agosto e 4 de setembro, reflete um cenário menos otimista para os sociais-democratas. Neste cenário, a chamada coligação de esquerda alcança 49,9% das intenções de voto, reunindo 175 assentos parlamentares. Por outro lado, a coligação de direita reúne 49,4% das intenções de voto, alcançado 174 assentos parlamentares.
Este cenário seria bastante complicado para a democracia sueca, abrindo uma nova crise política no país. Os partidos de centro, centro-esquerda e esquerda teriam, teoricamente, maioria simples no Riksdag. Contudo, apenas teriam mais um deputado que a direita e extrema-direita parlamentar do país. Isto refletiria uma polarização profunda na sociedade sueca, dividida entre tolerância e intolerância, progresso social e tradicionalismo, intervencionismo e laissez-faire. O país nórdico poderá viver uma situação semelhante àquela que Portugal viveu aquando das últimas eleições legislativas. Caberá aos suecos expressar os seus valores e aquilo que querem para o futuro do país no dia 11 de setembro.
A Suécia tem à sua frente dois possíveis caminhos: continuar a apostar na tolerância, progresso social e intervenção do Estado na economia de modo a garantir a igualdade, ou inverter em absoluto o seu modus operandi e adotar uma postura conservadora, tradicionalista e intolerante perante imigrantes.
Dinis de Oliveira Fernandes, Estudos Europeus, FLUL
Referências:
Riksdagsförvaltningen. s.d. "Elections to the Riksdag". Acedido a 7 de setembro de 2022. https://www.riksdagen.se/en/how-the-riksdag-works/democracy/elections-to-the-riksdag/
"Socialdemokraterna". s.d. Text. Acedido a 7 de setembro de 2022. https://www.socialdemokraterna.se/
"Sweden". s.d. Europe Elects (blog). Acedido a 7 de setembro de 2022. https://europeelects.eu/sweden/
"Sweden Elects Andersson as First Female PM for Second Time in a Week". 2021. France 24. 29 de novembro de 2021. https://www.france24.com/en/europe/20211129-sweden-elects-andersson-as-first-female-pm-for-second-time-in-a-week
The Associated Press. 2021. "Sweden's Prime Minister Has Lost A Confidence Vote In Parliament". NPR, 21 de junho de 2021, sec. World. https://www.npr.org/2021/06/21/1008695847/swedens-prime-minister-has-lost-a-confidence-vote-in-parliament
Vanttinen, Pekka. 2022. "September Elections in Sweden Still Too Close to Call". Www.Euractiv.Com. 14 de fevereiro de 2022. https://www.euractiv.com/section/politics/short_news/september-elections-in-sweden-still-too-close-to-call/