Alameda da Universidade, Lisboa

Nós Lembramo-nos

27-01-2025

Celebração do dia internacional em comemoração da memória das vítimas do holocausto


Autora: Joana Leal

A 21 de novembro de 2005, a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas declarava o dia 27 de janeiro como o dia internacional em comemoração da memória das vítimas do holocausto. A resolução 60/7 procurava cultivar a memória dos milhões de judeus que foram exterminados durante o holocausto, reforçando a importância de documentos que previam o respeito pelos direitos humanos, bem como a prevenção e criminalização de atos de genocídio. Oferecia-nos também uma tarefa a longo prazo: tomar medidas de educação e de divulgação relativas a este genocídio, para que tal acontecimento não fosse esquecido e ignorado. Passados quase oitenta e cinco anos desde a queda do regime nazi, é nosso dever lembrar e honrar a vida de todos aqueles que foram assassinados por este regime em prol de uma ideologia de supremacia racial. Enquanto herdeiros desta trágica bagagem histórica que para sempre os europeus carregarão, comprometemo-nos a não esquecer o passado, aprender com ele e agir de modo a que no futuro tais atos ignóbeis não se repitam.

Há 80 anos atrás, o exército vermelho libertou o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, o maior dos campos da indústria de morte nazi e um dos mais poderosos símbolos da sua barbárie. Auschwitz, onde mais de 1 milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas por este regime, era o culminar de um processo complexo cujo propósito era (o de) exterminar o povo judeu e demais ameaças à raça ariana, contudo, não foi o seu início. Poder-se-ia afirmar que um projeto de matança coletiva de tal envergadura apenas pôde ser levado a cabo após uma campanha de difusão de anti-semitismo prolífera; o anti-semitismo no espaço alemão não foi uma invenção do nacional-socialismo, porém, atingiu indubitavelmente com ele níveis inimagináveis e adquiriu um novo propósito. Após a chegada de Hitler ao poder, um conjunto de leis discriminatórias foram aprovadas, perseguições a judeus, a sua exclusão da vida pública e até mesmo a sua reclusão em determinadas áreas restritas suceder-se-iam, a campanha de industrialização do extermínio do povo judeu segui-se-ia. Auschwitz era o maior dos campos de extermínio, Sobibor, Treblinka, Majdanek, Bergen-Belsen e Mauthausen são apenas outras pequenas partes da enorme constelação de campos de prisioneiros, de trabalhos forçados e de extermínio que a Alemanha Nazi havia construído no seu território e naquele que ocupou. Ao fim de 6 anos de guerra, cerca de dois terços da população judia da Europa havia sido exterminada, o que equivalia a um terço dos judeus de todo o mundo.

Nascido na cidade austríaca de Braunau am Inn, em 1889, Adolf Hitler é uma figura crucial no desenvolvimento do nazismo, da segunda guerra mundial e do holocausto. Em 1912, muda-se para a cidade alemã de Munique, onde vende as suas aguarelas, nunca abdicando do seu sonho de ser arquiteto. Ainda antes de iniciar concretamente a sua carreira política, vários dos aspetos que iriam caracterizar a sua ideologia já se revelam: é um homem que despreza a monarquia dos Habsburgo por consagrar a mistura entre germanos e outras raças, enfurece-se contra a social-democracia e os sindicatos, desacredita a democracia parlamentar e vê no marxismo e no judaísmo as grandes ameaças para a existência do povo alemão. Com o estalar da guerra alista-se como voluntário no exército alemão e é no fim da Primeira Guerra Mundial que estabelece contacto com membros do Partido Operário Alemão. Hitler altera o nome deste partido, passando a adotar a denominação — que nos é mais familiar — de Partido Operário Nacional-Socialista Alemão; no seio do qual ascende em consequência das suas capacidades oratórias, cultivando cada vez mais o apoio da população. Não obstante o malogro do golpe da cervejaria de Munique em 1923, que inclusivamente levou à detenção de Hitler (tendo sido durante este período encarcerado que redigiu a sua obra Mein Kampf), em relativamente pouco tempo, os nacionais-socialistas iam adquirindo mais apoiantes. É nas eleições de 1932 que o Partido Nazi se torna o maior partido no Reichstag (recebeu 37,7% dos votos, o que realça a envergadura da ascenção deste partido, uma vez que, em 1928, apenas tinha recebido 2,6%), um ano a seguir, Hitler seria nomeado pelo Presidente Hindenburg como Chanceler. O programa dos nacionais-socialistas era apelativo para uma Alemanha vergada pela crise dos anos 20 e o crash da bolsa em 1929, pela derrota na Primeira Guerra Mundial e pelo cumprimento de todas as reparações e sanções impostas com o Tratado de Versalhes. Hitler prometia a consagração de uma grande Alemanha, a reunião de todo o povo germano num estado livre de tudo e todos aqueles que lhe representavam uma ameaça, prometia ao homem trabalhador a retribuição justa por todo o esforço e à classe média a garantia de que o estado encarregar-se-ia de lutar contra os grandes cartéis financeiros que lhe minavam os negócios — Hitler era o grande grito de revolta de milhões de alemães contra a República de Weimar.

No entanto, entender o fenómeno do nazismo como uma revolta contra o sistema, tal como o são muitos movimentos extremistas e radicais, não me parece suficiente. O nazismo era também um grande grito de ódio, ódio esse que foi tomando o coração de milhões de alemães e de outras pessoas. Na conceção hitleariana o mundo estava dividido entre raças superiores e inferiores que lutavam entre si para a sobrevivência, era uma espécie de darwinismo social no qual a raça superior — a ariana — estava predestinada a triunfar sobre todas aquelas que lhe eram inferiores, nomeadamente os eslavos, pessoas negras, a etnia roma e, por fim, os judeus (o povo judeu para os nazis representava a raça mais fraca e, por isso, a maior ameaça à ariana). Algo crucial a ser levado em consideração aquando do estudo do holocausto e do anti-semitismo dos nacionais-socialistas é que o judaísmo não representava apenas uma religião; o povo judeu era uma raça separada da ariana e qualquer tipo de imiscuição entre judeus e arianos iria perturbar a pureza da raça considerada superior. É com base neste entendimento que se desenrola a campanha anti-semita do regime nazi. O anti-semitismo não era novidade na Alemanha, tão pouco no resto da Europa, durante séculos o povo judeu tinha sofrido perseguições por todo o continente. De leis que o excluíram da vida pública até movimentos mais agressivos como a Inquisição na Península Ibérica e os violentíssimos Pogroms no Leste, a comunidade judia europeia já tinha sofrido diversos tipos de perseguição. Contudo, o nacional-socialismo preconizou uma escalada de ódio, pois fez do anti-semitismo um aspeto crucial da sua campanha — o judeu era o homem de raça inferior culpado de todo o mal que caía sobre os alemães. Os cartazes de propaganda desta época eram reveladores dos argumentos que se utilizavam: o judeu na trincheira a apunhalar o alemão durante a Primeira Guerra Mundial (os alemães acreditavam que os judeus tinham entregue a Alemanha aos inimigos, o que levou à sua capitulação), o judeu com os seus dedos e nariz longo que dominavam o mundo através do poder do capital (uma alusão ao já antigo estereótipo do judeu como o homem endinheirado que controla e explora todos os outros) e, naquilo que se assume como uma latente contradição, o judeu que utiliza o marxismo como uma forma de conquistar o mundo (uma alusão ao argumento nazi de que o socialismo havia sido criado por judeus para que estes pudessem adquirir o controlo sobre a classe operária).

"Olvidar e desprezar as leis do sangue e da raça é colocar obstáculos à marcha vitoriosa da raça superior e por isso ao progresso humano, é cair ao nível do animal incapaz de se elevar na escala de seres." A citação apresentada resume de forma bastante clara o objetivo nazi: impedir, a todo o custo, que a raça ariana estabeleça contacto com as denominadas raças inferiores, especialmente, os judeus. Desde o início do seu cargo de chanceler que Hitler colocou em prática políticas anti-semitas e discriminatórias nomeadamente com a expulsão de judeus de certos cargos e com a queima de livros cujos autores eram judeus, no entanto, apenas anos a seguir é que seriam aprovadas as leis que definiam inequivocamente o carácter racista do regime. Assim, em 1935 são promulgadas as Leis de Nuremberga. Estas representam um conjunto de leis relativas à cidadania alemã e à proteção do sangue e da honra alemã, demarcando-se como uma positivação do racismo nazi — já não se tratava apenas de um conjunto de demagogos que cuspiam falas anti-semitas, os nacionais-socialistas estavam efetivamente a colocar em prática o seu plano. As leis de Nuremberga estabeleciam que apenas os alemães de sangue poderiam receber cidadania do Reich, o que excluía os judeus e, por exemplo, outros grupos como a comunidade cigana. Simultaneamente, também se proibia o casamento e as relações entre judeus e "alemães puros", de modo a que se evitasse a corrupção da pureza da raça ariana. Este conjunto de leis teria um impacto extremamente negativo na comunidade judaica, muitos foram expulsos dos seus empregos e impedidos de desempenhar qualquer tipo de cargo público — como, por exemplo, ao serviço do estado — outros viram os seus negócios serem encerrados ou a entrarem em falência, alguns foram perseguidos e presos e os seus bens confiscados — a política anti-semita nazi escalava em intensidade, no entanto, este era apenas o início.

Em matéria de escalada de violência e perseguição, a Kristallnacht (ou a noite de cristal) é um acontecimento que não pode ser ignorado. Na noite de 9 para 10 de novembro, em resposta ao assassinato de um diplomata alemão em França às mãos de um jovem judeu polaco, as autoridades nazis provocaram e incitaram uma onda de ações violentas contra a população judaica do Reich (que já incluía os territórios anexados da Áustria e da terra dos Sudetas). Nestes pogroms participaram membros da SA, da SS e da Juventude Hitleriana, contudo, vários civis também se juntaram às agressões. A "noite dos cristais" deve o seu nome aos vidros das montras e janelas que foram partidas; os nazis atacaram casas particulares, negócios judeus e sinagogas — por todo o território, cerca de 267 sinagogas e 7 mil locais de negócio judeu foram completamente destruídos. Em adição, a Kristallnacht marca o primeiro episódio de detenção em massa de pessoas judias, totalizando aproximadamente 30 mil homens judeus detidos e deportados para campos de concentração. Os números de mortos variam, inicialmente foram contabilizadas 91 mortes, porém, somando-se as vítimas futuras cuja causa de morte pode ser associada a este evento (sendo as causas de morte ferimentos prolongados ou suicídio), o número total pode alcançar entre 1 ou 2 milhares. A Kristallnacht é um claro exemplo da escalada de violência anti-semita e também da vulgarização da discriminação para com a população judaica; ações deste tipo abririam caminho para que nos anos subsequentes a população alemã civil não se insurgisse aquando das detenções e deportações em massa para campos de concentração e extermínio.

O nacionalismo extremado do regime nazi representava um perigo em diferentes perspectivas. Há muito que se antevia que a política expansionista dos nacionais-socialistas iria empurrar o continente para uma nova guerra, o que de facto veio a acontecer aquando da invasão da Polónia pela Alemanha nazi em setembro de 1939. Não se tratando a segunda guerra mundial do assunto deste breve artigo, esta compraz um marco histórico impossível de não mencionar, uma vez que a forma como os alemães encararam a "questão judaica" na Polónia foi diferente daquela empregue em solo alemão. É importante ter em consideração que, à luz da ideologia nazi, todo o polaco — o eslavo — pertencia a uma raça inferior à ariana, logo, de um modo geral, toda a população polaca foi vítima da discriminação nazi, nomeadamente com líderes intelectuais a serem expulsos dos seus cargos, muitos presos e outros mesmo sujeitos a campanhas de trabalho forçado e execução sumária. Relativamente à população judaica, o plano nazi consistia em concentrá-la em áreas restritas das cidades para que melhor pudessem ser controladas — eram os chamados guetos. Os judeus foram praticamente expulsos de toda a vivência pública, os seus bens expropriados e foram obrigados a utilizar acessórios visíveis que os identificassem como judeus (daqui provêm as estrelas de Davi amarelas associadas ao holocausto) — em abono da verdade, tinha-se instaurado uma espécie de regime de apartheid, que limitava a convivência entre judeus e outras pessoas. Os guetos foram a medida encontrada pelos nazis para melhor concluir os seus objetivos. A vida nestes guetos era inumana, a comida escasseava, o espaço também, o acesso a cuidados de saúde quase impossível (proliferavam doenças devido aos poucos cuidados de higiene) e os residentes eram muitas vezes submetidos a trabalhos forçados como forma de sobreviver — o gueto de Varsóvia era o maior de todos, tanto em termos de população quanto de área, em 1940 estavam nele confinados cerca de 350 mil judeus. Antes das deportações para os campos de extermínio durante a Solução Final, este número alcançou o meio milhão. Devido à falta de recursos, um número desconhecido de judeus pereceram nestes guetos, as estimativas revelam cerca de 500 mil pessoas, aqueles que sobreviveram, enfrentariam em breve um obstáculo superior na máquina de morte nazi.

Aquando da invasão da Polónia, era possível constatar que os nacionais-socialistas ainda não tinham implementado uma política efetiva de extermínio, inclusivamente, predominava mais a ideia de, numa fase ulterior, vir-se a expulsar a população judaica de todo o território do Reich, e não propriamente proceder à sua liquidação. Contudo, tal veio a alterar-se e isto deu-se exatamente com a implementação da denominada Solução Final — esta política não abria espaço para dúvidas, dever-se-ia proceder à liquidação total de todos os judeus da Europa. Não há uma data exata à qual se possa reportar o início da solução final, é possível, no entanto tentar situá-la entre meados de 1941 (com a invasão da URSS) e o início de 1942. Múltiplas personalidades estiveram envolvidas na sua preparação e execução, não se trata de um plano neurótico de Hitler (como vários de forma errónea tendem a interpretar), a Solução Final foi planeada ao seu ínfimo pormenor e recebeu o aval de diversos indivíduos; entre os cargos mais altos de chefia podem destacar-se nomes como Hermann Göring, Reinhard Heydrich, Heinrich Himmler e ainda Adolf Eichmann. Desde a campanha nazi na União Soviética que já se tinha vulgarizado o assassinato em massa de judeus, era comum preoceder-se ao seu fuzilamento e até mesmo à sua gasificação em unidades móveis preparadas para tal — tudo isto feito pelas SS, mas com o apoio da Whermacht (exército alemão), das SA e também das autoridades locais e civis. A acompanhar tudo isto foram construídos por todo o Leste ocupado campos de extermínio para onde os judeus e outros grupos raciais considerados inferiores eram deportados e, em seguida, assassinados. Algumas pessoas eram selecionadas para trabalhos forçados e outras eram ainda utilizadas em experiências científicas, tais como as horrendas experiências conduzidas pelo médico Josef Mengele. Grande parte do número de vítimas do Holocausto pereceu nesta última fase, na qual se procedia ao extermínio em massa dos judeus do território alemão e daquele que a Alemanha ia conquistando (não esquecer que durante a solução final a Alemanha enfrentava uma guerra mundial e chegou a dominar uma parte considerável da Europa, tendo também vários aliados que compactuaram com o Holocausto). Apenas em 1945, com a derrota da Alemanha e o avanço das tropas aliadas sobre o território antes ocupado pelo regime nazi é que se conseguiu colocar um fim definitivo à campanha de eliminação dos judeus; o resultado era devastador: dos 11 milhões de judeus europeus, 6 milhões haviam sido exterminados pelo regime nazi (tal número compraz dois terços de toda a população judaica europeia).

Hoje, recordamos a vida destas vítimas e fazemos um voto de lutar contra qualquer tipo de discurso de ódio ou discriminação. "Reafirmando que o Holocausto, que resultou no assassinato de um terço do povo judaico, mais um número incontável de membros de outras minorias, será para sempre um aviso para todas as pessoas do perigo do ódio, da intolerância, do racismo e do preconceito", continuaremos a celebrar esta data para que o Holocausto nunca caia no esquecimento, tomaremos medidas de educação no seio da sociedade para esta matéria e recusaremos qualquer tipo de negação, na totalidade ou parcialidade, do Holocausto. Enquanto europeus, não podemos apagar os erros do passado que, gradualmente, conduziram a esta catástrofe, podemos porém optar por construir um futuro em que tal nunca volte a acontecer. Este é um futuro da paz, da luta contra qualquer tipo de discurso de ódio, da prevalência dos direitos humanos e do espírito da tolerância e da igualdade.

       Em memória dos 6 milhões de judeus exterminados durante o Holocausto, por todos aqueles que lutaram contra o regime nazi e pelos que resistiram mesmo face às dificuldades. Não esqueceremos!

Imagem de fundo: 

Fotografia tirada em 1932, por Rachel Posner, da sua Menorá de celebração do Chanucá, tendo em segundo plano uma bandeira nazi hasteada no prédio em frente à sua casa em Kiel, na Alemanha 


Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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