O Dia Internacional da Mulher

Hoje, dia 8 de março, celebramos o Dia Internacional da Mulher.
Para muitos, este dia é, efetivamente, (só) mais uma oportunidade de se oferecerem flores e chocolates. Não me interpretem mal: eu adoro flores e chocolates. Mas a verdade é que não me parece que seja esse o propósito deste dia. O Dia da Mulher vai muito para além disso. É um dia de História, de coragem, de resiliência e de não conformidade com o que não é passível de se aceitar.
O primeiro Dia da Mulher a ser celebrado foi a 28 de fevereiro de 1909, em homenagem às 15 000 mulheres que protestaram em Nova Iorque contra as más condições de trabalho e por salários condignos. No ano seguinte, foi proposta por Clara Zetkin, marxista, advogada dos direitos da mulher, entre outros cargos políticos na área, na Alemanha, a criação de um Dia Internacional da Mulher. A 19 de março do ano seguinte, realizou-se o primeiro Dia Internacional da Mulher que contou com a participação de pessoas na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça. Por estranho que possa parecer, só em 1975 é que as Nações Unidas começaram a celebrar esta data.
Em alguns países (Afeganistão, Arménia, Bielorrússia, Camboja, Cuba, Geórgia, Laos, Mongólia, Montenegro, Rússia, Uganda, Ucrânia e Vietname), o Dia Internacional da Mulher é um feriado. Noutros (Albânia, Macedónia, Sérvia e Uzbequistão), juntou-se ao Dia da Mãe. Mas ser mulher e ser mãe não são sinónimos. Juntar o Dia da Mulher ao Dia da Mãe é assumir que o propósito da mulher é o de ser mãe e que o seu papel se esgota nesse momento. Essa é uma ideia errada e que só vem evidenciar a necessidade urgente de se celebrar o Dia da Mulher.
Nos dias de hoje, é comum ouvirmos perguntar porque é que este dia ainda se celebra. É comum ouvirmos dizer que é um dia já sem sentido. Ainda é também comum ouvirmos protestar por um Dia Internacional do Homem. Sem rodeios, este é o tipo de abordagem que me inquieta, acima de tudo. Para além de ser o tipo de abordagem que acarreta uma ignorância evidente sobre o propósito do Dia da Mulher, é totalmente errada. E digo-o por diversas razões.
Primeiramente, não existe igualdade plena entre homens e mulheres. A tentativa de acreditar na ideia de que existe é pura ignorância. De acordo com um artigo publicado a 18 de setembro de 2022 no site das Nações Unidas, "mulheres que fazem o mesmo trabalho que homens (…) recebem 20% a menos que eles, em média, em todo o mundo". Mas, infelizmente, isto é só uma pequena parte daquilo que é a desigualdade de género. De acordo com um outro artigo, também publicado no site das Nações Unidas, estima-se que "1 em cada 3 mulheres já sofreu algum tipo de violência física ou sexual", que "200 milhões de mulheres e raparigas foram vítimas de mutilação genital" e que "todos os anos, 12 milhões de raparigas são forçadas a casar-se antes dos 18 anos – o que significa 23 raparigas por minuto, uma a cada 3 segundos". Enquanto esta for a nossa realidade, não me parece só certo lembrar o Dia Internacional da Mulher, como me parece extremamente necessário.
Ainda que muitos pensem que não existe desigualdade de género em Portugal, por existirem leis que a proíbem, a verdade é que na prática não é isso que acontece. De acordo com um artigo publicado no CITE, Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, "a disparidade salarial entre homens e mulheres corresponde a 48 dias de trabalho pagos aos homens, mas não pagos às mulheres. Apesar de a diferença salarial entre sexos ter diminuído – foi de 13,3% em 2020 - as mulheres ainda ganham menos 13,1% ou, em números absolutos, menos 150,30 euros do que os homens, sendo que estas discrepâncias se acentuam à medida que as qualificações e responsabilidades aumentam". Para além disto, de acordo com um artigo publicado pela SIC Notícias, "a violência doméstica continua a ser o crime mais denunciado e o que mais mata em Portugal". Os números são assoberbantes: foram registadas mais de 15 000 ocorrências deste tipo em 2023. As estatísticas mostram que são as mulheres quem mais sofre deste tipo de violência, sendo que 17 das 22 vítimas de homicídio por violência doméstica que ocorreram em 2023, eram mulheres; das restantes, 2 eram crianças, ambas meninas, e 3 eram homens.
Por fim, mesmo supondo um mundo idílico em que não existe desigualdade de género e em que as mulheres são inquestionavelmente respeitadas (e não deveria ter de ser idílico), não me parece que fizesse menos sentido celebrar o Dia da Mulher. Isto porque nunca é demais relembrar a nossa História. Nada é adquirido, nunca será. Quando não se conhece a História, há uma enorme probabilidade de se cometer os mesmos erros que foram cometidos no passado. E o ser humano já deveria ter percebido que, infelizmente, é assim que acontece. Como exemplo, desde que os talibãs assumiram o poder no Afeganistão, a vida das mulheres afegãs mudou drasticamente. O que está a acontecer no Afeganistão, nos dias de hoje, é uma violação grave dos direitos humanos. Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional, declarou: "que não haja dúvidas, esta é uma guerra contra as mulheres, banidas da vida pública, impedidas de ter acesso à educação, proibidas de trabalhar, impedidas de circular livremente, presas, desaparecidas e torturadas, inclusive por se manifestarem contra estas políticas e por resistirem à repressão. Estes são crimes internacionais. São organizados, generalizados e sistemáticos". Mas esta nem sempre foi a realidade afegã. Mahbouba Seraj, uma das maiores ativistas de direitos das mulheres no mundo, disse, numa entrevista posteriormente publicada no site das Nações Unidas: "em 24 horas, a democracia pela qual trabalhamos por mais de 20 anos desabou (…) a vida das mulheres no Afeganistão deu uma volta de 180 graus (…) as mulheres passaram da existência – de ser parte de uma sociedade, de trabalhar, de ser parte de todos os aspetos da vida como médicas, juízas, enfermeiras, engenheiras, políticas – para nada. Tudo o que elas tinham, até mesmo o direito mais básico de frequentar uma escola secundária, foi-lhes retirado".
Posto isto, parece-me
óbvio que, seja qual for a situação em que vivemos, o Dia da Mulher é, e sempre
será, um dia necessário. Porque mesmo que um dia tenhamos os nossos direitos
atribuídos, enquanto mulheres, saberemos que nem sempre os tivemos. E, para
além disto, o facto de um dia podermos vir a sentir que não existe desigualdade
de género na nossa realidade, isso não significa que ela não exista noutros
lugares e noutras realidades que não a nossa. Portanto, seja por nós,
individualmente, ou não, o Dia da Mulher é necessário, tem de ser celebrado e,
acima de tudo, tem de ser lembrado, sempre.
Madalena Gonçalves