Alameda da Universidade, Lisboa

Um olhar sobre o conflito Israelo-Palestiniano

16-10-2023

"Violence is a symptom; the occupation is the disease - a mortal disease for everybody concerned, the occupied and the occupiers. Therefore, the first responsibility is to put an end to the occupation." – Uri Avnery, 2004.

Vivemos um período difícil da história mundial. Isto parece redundante, pois uma pequena análise do passado mostra-nos que nunca houve períodos fáceis. A história da humanidade não pode ser desassociada dos conflitos, da guerra, da devastação. Dizem que "a paz é apenas um intervalo entre guerras" e estes últimos dois anos não têm fugido à regra.

Assistimos neste momento a um mundo tumultuoso, com conflitos em várias partes do mundo, uns mais mediáticos do que outros. Neste texto, pretendo somente dar a minha visão e opinião sobre as ocorrências nesta passada semana em Israel e Gaza.

Mas porque o conflito não começou magicamente a 7 de outubro de 2023, é importante recordar um pouco da sua história.

A luta da emancipação judaica não é recente. O século XIX ficou marcado na história mundial pelo espoletar de sentimentos e revoltas nacionalistas que moldaram o mundo contemporâneo. O início do século ficou marcado pela independência de várias colónias sul-americanas, incluindo o Brasil. Ao longo desse período, o sentimento nacionalista foi crescendo na Europa, levando à criação de estados-nação modernos como a Alemanha e Itália. Impérios multiculturais como o Austro-Húngaro e o Otomano viveram fortes revoltas nacionalistas, que aclamavam por direitos iguais para todas as regiões, ou por independência.

Os judeus não ficaram indiferentes na história. Após séculos de opressão, discriminação e antissemitismo, o sentimento do direito à autodeterminação fixou-se na comunidade judaica. O local escolhido para esse Estado, essa nação, era apenas um: a Palestina.

Situada na margem oriental do Mar Mediterrâneo, a Palestina foi em tempos o Reino de Israel e Judá, mencionado na Bíblia como sendo fundado pelas 12 tribos de Israel. Foi também o local onde, após a derrota para os romanos em 132, os judeus foram expulsos, não podendo regressar sob pena de morte. A escolha do local não foi, portanto, aleatória, contendo um grande sentimento de pertença e legado na mente judaica.

O nascimento de Israel enquanto Estado surge também em circunstâncias trágicas. Vivida a Segunda Guerra Mundial e os seus terrores, que culminaram no genocídio de milhões de judeus, no que ficou conhecido como Holocausto, foi necessário atender às necessidades há tanto aclamadas pelos judeus, de criar um estado próprio, onde pudessem ser livres.

Foi então criado, em 1948, o Estado de Israel, no antigo protetorado britânico da Palestina. Milhares de judeus rumaram em direção à sua nova casa, criando de imediato problemas para aqueles que já residiam naquelas terras há gerações.

No mesmo ano, começou a guerra árabe-israelense, iniciada pelos estados árabes que não concordavam com a Resolução 181 da ONU, relativa à repartição da Palestina entre judeus e muçulmanos. A guerra terminou com uma vitória israelita e com o que os palestinianos chamam de "al-Nabka", ou catástrofe, pois levou ao êxodo de mais de 700 mil palestinianos.

Embora um contexto histórico seja muito relevante para este debate, este artigo não se procura prender pelas razões do conflito, mas sim as ações que se têm desenrolado nestes últimos tempos.

No passado dia 7 de outubro, o Hamas, organização política e paramilitar palestina, de cariz fundamentalista, coordenou um ataque em várias cidades israelitas, atacando alvos militares e civis. O mundo ficou em choque, como se de algo novo se tratasse, ignorando pavidamente o historial entre o Hamas, a Palestina e Israel. Não é segredo nenhum que o Hamas, fundado em 1987 após a Primeira Intifada, foi financiado pelos israelitas (Mossad) para combater a PLO (Palestinian Liberation Organization), que se caracterizava pelo seu secularismo, e enfraquecer os esforços coletivos de libertação e independência palestina.

Mas regressando à atualidade, o mundo (ocidental) levantou-se em apoio a Israel, condenando os bárbaros ataques aos civis israelitas. Falou-se de tudo, desde violações em massa, até a bebés decapitados. Apesar de não confirmados, os rumores espalharam-se como um fogo em pleno agosto e, de repente, Israel tinha o que pretendia: validação para levar a cabo uma devastação total de Gaza.

Rapidamente, Israel contra-atacou, lançando bombas sobre complexos habitacionais, destruindo quarteirões inteiros. De acordo com os próprios israelitas, mais de 6000 bombas foram largadas na última semana sobre Gaza. Por comparação, durante os 7 meses de guerra na Líbia, a NATO lançou cerca de 7600 bombas.

Talvez o acontecimento mais trágico até ao momento tenha ocorrido no passado dia 13 de outubro, quando o governo israelita ordenou a evacuação de mais de 1,1 milhões de habitantes do Norte da Faixa de Gaza, antes da Força de Defesa Israelita invadir o território. No entanto, aqueles que seguiram as ordens foram brutalmente assassinados, quando Israel bombardeou as rotas de evacuação para sul.

Ataques a hospitais com bombas de fósforo branco, assassinato de membros da ONU em bombardeamentos aéreos, o assassinato de jornalistas da Reuters no Líbano, mais de 700 crianças mortas em Gaza, são apenas alguns dos crimes hediondos perpetuados pelo governo de extrema-direita israelita de Netanyahu.

Enquanto estes crimes de guerra acontecem, tanto a União Europeia, como os Estados Unidos da América, prestam o seu apoio incondicional a Israel. A soberba hipocrisia ocidental observa-se na distinta posição do Ocidente no conflito russo-ucraniano e no apoio a Israel.

A União Europeia, que se pautava pelo apoio financeiro à Palestina, considerou suspender as verbas, agravando ainda mais a situação do povo palestiniano. Felizmente, o bom-senso prevaleceu nesse instante e a decisão foi revertida. Mas, no que diz respeito aos avanços de Israel ao longo das últimas décadas, à construção de colonatos ilegais e expulsão de palestinianos das suas terras, a resposta da UE foi silenciosa, com palmadas nos pulsos, ou palmadinhas nas costas.

Em jeito de conclusão, não pretendo de modo algum branquear as ações do Hamas, que veementemente condeno. O Hamas é uma organização terrorista que apenas mina o movimento de libertação da palestina e prega antissemitismo. O Hamas não representa a luta e a resistência palestina à ocupação israelita.

Por outro lado, é necessário distinguir Israel, o sionismo e os judeus. O movimento sionista, cada vez mais extremado e presente na política israelita, deve ser combatido, mas sem nunca cair no erro histórico de discriminação grátis da população judaica, que também se opõe às ações irresponsáveis e criminosas do governo de Netanyahu. Mas é necessário parar de passar a mão pelas costas de Israel, deixando que continuem a massacrar e oprimir os palestinos, enquanto continuam a tomar as suas terras, como fazem com os colonatos ilegais da Cisjordânia.

Os palestinos sofrem há décadas e necessitam do apoio de todos. O Hamas não desaparecerá com a destruição total de Gaza, tal como a ISIS não desapareceu com a destruição da Síria, ou os talibãs com a destruição do Afeganistão.

Cerca de 40% da população palestina é menor de idade, muitos nem eram vivos aquando das últimas eleições. Não têm nenhuma responsabilidade perante as ações do Hamas, no entanto são discriminadas e mortas no ato da guerra.

A única forma de combater efetivamente o Hamas, é esvaziando-o das suas pretensões. Uma Palestina independente e reconhecida como tal, é o caminho para a paz, para o diálogo e para a prosperidade no futuro.

Fonte: O Globo
Fonte: O Globo


Rodrigo Dias
Mestrando em História, FLUL

Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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