Uma alternativa ao velho socialismo: O Bloco de Esquerda
Desde 9 de novembro, após o anúncio do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que o país aguarda uma nova oportunidade de decisão nas urnas. As eleições legislativas previstas para 10 de março são a inesperada consequência política das pendentes acusações de corrupção no cerne do governo português e da subsequente demissão do primeiro-ministro António Costa. À luz da dita natureza das eleições de 2022 e da vitória maioritária do Partido Socialista assente na figura do seu agora ex-Secretário-Geral, o Presidente da República entendeu que a nomeação de outro primeiro-ministro e a criação de um novo governo sobre a mesma maioria absoluta careciam de legitimidade política. Assim sendo, a solução adotada foi a convocação de eleições antecipadas de modo a “devolver a palavra ao povo” e honrar os princípios democráticos.
Apesar de as iminentes eleições aparentarem ser, na sua essência, uma fervorosa batalha entre o Partido Socialista e a totalidade do espetro da direita, existem de facto mais alternativas de voto. O Bloco de Esquerda corresponde a um dos partidos políticos esquerdistas a concorrer às eleições de março e o mesmo compromete-se a desafiar esta conjuntura. Por sua vez, o presente artigo tenciona ser meramente informativo e imparcial, isto com o objetivo de, possivelmente, elucidar os leitores sobre os partidos concorrentes às próximas eleições, apelar ao voto e, acima de tudo, contribuir para o voto consciente e informado. Como tal, o presente artigo não pretende refletir as intenções de voto do autor.
O Bloco de Esquerda nasce nos anos 90 de um projeto de junção de vários partidos, movimentos e forças políticas de esquerda dos quais se destacam a União Democrática Popular, marxista, o Partido Socialista Revolucionário, de tendência trotskista, e a Política XXI, mais social-democrata. O resultado negativo do primeiro referendo sobre a despenalização do aborto em 1998 incentivou o contacto entre Luís Fazendas e Fernando Rosas, que começam a discutir a possibilidade de unir o espaço político esquerdista, altamente plural, e por vezes divergente, num só projeto comum. Nesta fase primordial idealizava-se um “socialismo moderno”, anti-conservador, assente na democracia, que representasse uma alternativa à “velha esquerda” e que, simultaneamente, revitalizasse a posição da esquerda mais radical no espaço político português, algo que se teria perdido nas décadas pós-25 de abril. O manifesto que serviu como referência para esta nova força política é então projetado, intitulado “Começar de Novo”, este expressa, destacadamente, fortes críticas à globalização capitalista, à desigualdade económica e ao panorama político nacional. Ademais, no seu manifesto fundador, o BE compromete-se a promover e defender, por exemplo, os direitos sociais e económicos do ser humano, os direitos reprodutivos da mulher, a igualdade e a anti-discriminação. Assim, após ardosas discussões sobre a possível organização deste novo movimento, numa coligação ou num partido único, triunfa então a última, mas não sem oposição expressiva e, por sua vez, nas palavras de um dos seus fundadores, o BE nasce da esperança e do ceticismo. Recentemente formado, o partido é desde logo associado a uma diversidade de causas nacionais e internacionais, tais como a descriminalização das drogas e a questão de Timor-Leste, assim como é dos primeiros partidos a promover a politização das questões LGBT e das causas feministas em Portugal.
No que toca aos seus resultados eleitorais, o Bloco de Esquerda consegue na sua primeira vez a votos em legislativas, eleger dois deputados. Após alguns anos de crescimento progressivo mas diminuto, o BE consegue em 2009 ultrapassar o PCP-PEV e transforma-se na quarta maior força política elegendo 16 deputados. Após uma grande queda em 2011 e uma onda de divisões dentro do partido, 2015 e 2019 foram anos de resultados eleitorais entusiasmantes para o Bloco, no entanto, o partido voltaria a cair, e bastante, em 2022. Mantém-se então a questão de como será o desempenho do Bloco de Esquerda no dia 10 de março. A sondagem da Universidade Católica para a RTP prevê que o BE possa vir a eleger entre 5 a 7 deputados, ou seja, não se antecipa uma grande melhoria em relação a 2022 ou que o mesmo ultrapasse os novos partidos de direita. Isto significa que o BE, presumivelmente, não terá oportunidade de “Fazer o que nunca foi feito”, slogan do seu programa eleitoral apresentado para as legislativas de 2024.
Saúde, Educação, Habitação, Clima e Justiça Fiscal são algumas das temáticas em foco no programa eleitoral do BE apresentado pela coordenadora do partido, Mariana Mortágua.
Primeiramente, para contrariar os atuais salários baixos e combater a precariedade, o Bloco de Esquerda prioriza o aumento do salário mínimo nacional para 900 euros já em 2024. Semelhantemente, em prol de uma reforma laboral, o BE projeta a antecipação da reforma e a redução do horário de trabalho através, por exemplo, da adoção da semana de quatro dias.
No que toca à Habitação, o BE, face à atual crise e de modo a baixar os preços das casas, defende a fixação de tetos para as rendas e a aplicação de uma política de juros baixos, tal como propõe a proibição de venda de casas a não residentes e a limitação do alojamento local.
Para “combater o negócio da saúde” e reconstruir um SNS “universal e de qualidade”, o partido aposta no recrutamento e retenção dos profissionais de saúde. Para tal, propõe o aumento de investimento no SNS assim como das posições remuneratórias de todas as carreiras da saúde. Ademais, sugere a atribuição de um enfermeiro de referência para cada família de modo a garantir à população o acesso à saúde, isto face a uma escassez de médicos de família, e sublinha a importância de promover o acesso à IVG na integridade do território português.
Para a área da Educação, de forma a contrariar a degradação da escola pública e promover o ensino universal, moderno e democrático, o BE sugere por exemplo, a recuperação total do tempo de serviço dos professores, a revisão dos programas escolares, o aumento dos valores das bolsas do ensino superior e a inclusão das creches no sistema educativo.
Estas são apenas algumas das múltiplas medidas apresentadas pelo Bloco para a legislação a ser implementada em 2024 como forma de resposta à atual conjuntura socioeconómica nacional. Entre outras iniciativas importantes a destacar está o investimento no ambiente e nas energias renováveis, a tributação dos lucros das grandes empresas, o combate à desigualdade e violência de género e o aumento do investimento na Cultura.
Assim sendo, o Bloco de Esquerda é descrito por alguns como utópico ou extremista, por outros como a melhor oposição esquerdista à crescente extrema-direita, ameaçadora da liberdade, e ao socialismo do PS, velho e insatisfatório. Não obstante, o BE relembra repetidamente o sucesso da chamada “Geringonça”, logo, um acordo à esquerda pode não ser uma realidade tão distante, mas somente daqui a pouco mais de uma semana saberemos. Até lá, espera-se que o povo português procure informar-se, de modo a que os resultados de dia 10 reflitam decisões conscientes, e não opiniões determinadas pela desinformação e a propaganda.
Mariana Santos