Alameda da Universidade, Lisboa

Uma análise sobre os efeitos políticos dos protestos e manifestações

21-09-2024
EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON

Autor: Alexandre Ramos


Se há um elemento notório na cultura francesa é o interesse popular pelo envolvimento político. Desde a decapitação de Luís XVI em 1793, aos recentes protestos dos agricultores, a população francesa, ou parte desta, entende o protesto como uma forma de demonstração do descontentamento social e da opinião pública.

Acredita-se que o espírito coletivo revolucionário dos franceses tenha surgido após a Revolução Francesa, nos finais do século XVIII. É de notar que a comunhão popular levou à degolação do monarca francês, algo chocante e marcante que espalhou uma onda de medo e choque aos restantes reis europeus. A conjunção de atos revolucionários populares que uniram o povo e parte da burguesia marcou a cultura francesa, deixando uma importante marca no ideário francês até aos dias de hoje.

Com o passar do tempo, os protestos e manifestações permanecem na vivência, não só francesa como também do resto do mundo. Protestos, manifestações, greves, marchas, paralisações, greves de fome, entre outros, são meios civis de demonstração do descontentamento com a classe política nacional ou global, ou de demonstração de apoio a causas de diversos tipos. Porém, o que diferencia a França dos demais países europeus é a forma como os atos de protestos estão contidos na vivência nacional.

Nas recentes manifestações dos agricultores que ocorreram um pouco por toda a europa, na cidade de Estrasburgo, um grupo de pais proporcionou aos seus filhos, com idades compreendidas entre os 5 e os 8 anos, que, numa fila de mini-tratores de brincar, exibissem diversos cartazes. Nestes podia ler-se: "Amanhã, eu vos alimentarei", "Pelo nosso futuro", "Nós valemos mais que isto", e, por fim, a frase mais marcante: "Crianças em protesto". Esta demonstração de crianças a expressar uma visão política, mesmo que não entendam a causa que reivindicam, demostra como o ato civil de protestar é incutido na população desde cedo.

Enquanto que a norma mundial é a de que as manifestações, protestos e greves são maioritariamente atos associados à esquerda do espetro político, em França, a direita também vai às ruas. A luta pelos direitos cívicos não se encontra exclusivamente restrita por ideologias políticas, exemplo disso são os protestos de 6 de fevereiro de 1934, tendo sido este uma rebelião da extrema-direita em protestos anti-parlamentares. Entenda-se que, em França, existe culturalmente uma importante consciência política. Há um interesse geral pelo respeito cívico dos seus direitos, sendo as "manifes", como são referidas, um dos métodos privilegiados pelos franceses.

Mesmo sendo os protestos uma regularidade nacional, os confrontos da polícia de choque com aqueles que protestam são marcados por episódios de violência que se tornaram igualmente uma regularidade. A mobilização de agentes pelo Ministro do Interior é uma resposta violenta de controlo, mesmo que a ação civil não a equipare. Independentemente de quem "lança a primeira pedra", é notória a violência excessiva que marca os conflitos policiais, da qual ambas as partes envolvidas adquirem má conotação pela opinião pública.

O resultado político destas manifestações e protestos nem sempre atinge as expectativas de quem as faz. Na grande maioria dos casos a elite política aguarda silenciosamente pela perda do interesse fugaz da população para com a causa que se luta, aguardado que as motivações sejam esquecidas ou percam a relevância na vida de quem protesta. Grandes defensores das causas civis criticam esta apatia política, em contrapartida, o aumento do descontentamento para com o governo francês tem-se mostrado eficaz em não impedir os constantes protestos.

Embora a mobilização de manifestações permaneça na atualidade francesa como um método de ação social eficaz para a alteração da situação atual do pais, o crescente descontentamento e ineficácia da classe política em satisfazer as necessidades da população tem vindo a alterar esta ideologia. Mesmo que se perca o respeito pelo ato de manifestar, isto apenas intensifica a ideia de que, culturalmente, a população francesa não é apática quanto à política. Os franceses demostram o seu interesse pela manutenção e melhoria dos seus direitos de forma expressiva e direta, não se contentado e querendo sempre mais. Mesmo que a revolta populacional possa ter como resposta governativa a violência policial, esta é incapaz de reter a opinião pública.

Deste modo, a cultura de protestos na França permite-nos questionar, como portugueses, se demonstramos suficientemente o nosso descontentamento ou a nossa opinião a quem nos governa.

Núcleo de Estudos Europeus da Universidade de Lisboa
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